quarta-feira, 19 de maio de 2010

O artista visionário

Richard Wagner teve uma iniciação muito mais teatral do que musical. Seus pais e suas irmãs eram atores. Sua primeira obra, escrita aos 9 anos, não foi uma ópera, e sim uma tragédia. Seus estudos de piano começaram somente três anos mais tarde, mas sua conexão com a música se estabeleceu de forma definitiva quando se mudou para Leipzig e conheceu a música de Beethoven por meio da Orquestra Gewandhaus.

Wagner era um homem de concepção artística abrangente. Suas idéias iam além da música. Sua concepção de um espetáculo completo, único e unificado, reflexo de sua própria postura egocêntrica, o levou ao que mais tarde ele mesmo chamaria de “drama musical” no lugar de ópera. Ele teve a ajuda de dois grandes compositores: Liszt, que mais tarde se tornaria seu sogro, e Meyerbeer, cujo apoio viabilizou a estréia da ópera Rienzi, em Dresden, Alemanha.

Outro apoio decisivo foi o de Ludwig II, rei da Baviera, que permitiu a Wagner realizar seus sonhos artísticos com a construção de um teatro na cidade de Bayreuth. A concepção arquitetônica dele era completamente diferente dos teatros da época. Não havia rebuscamentos e camarotes. Ele foi construído como um teatro grego de arena, em que todos os espectadores têm a visão completa de palco. A orquestra ficava escondida para que a atenção do público não fosse desviada da cena. Pela primeira vez, a luz da platéia foi apagada para dar maior foco ao drama.

Os sentimentos gerados pela paixão avassaladora por Mathilde Wesendonck, mulher de seu mecenas, e a leitura de Tristão e Isolda escrita por Gottfried de Strasbourg, datada de 1210, inspiraram Wagner a compor sua sétima ópera. O libreto, escrito pelo próprio compositor, é baseado em uma lenda celta que narra o romance entre Isolda, princesa da Irlanda, e Tristão, nobre da Bretanha.

As idéias de O Mundo como Vontade e Representação, obra do filósofo Arthur Schopenhauer, também foram decisivas para a composição da ópera – um paradigma do romantismo. Da leitura de Schopenhauer, Wagner extraiu um pessimismo quase místico, que casaria muito bem com o amor trágico e impossível de Tristão e Isolda. No plano real, sua paixão por Mathilde era considerada por ele tão impossível quanto a dos personagens da lenda. O próprio Wagner, em carta ao compositor Franz Liszt, afirma ter escolhido o tema como forma de sublimação de seu próprio destino amoroso, que, segundo ele, sempre foi sombrio.

Mesmo identificado com a lenda celta, Wagner abreviou o tempo de ação, eliminou personagens secundários, simplificou o enredo e alterou a história original em diversos pontos, tornando seu libreto absolutamente pessoal. No original, por exemplo, Tristão e Isolda se apaixonam após a ingestão de uma porção mágica: o amor entre eles é motivado quimicamente. Na ópera, Wagner já os apresenta apaixonados: o elixir serve apenas para reforçar e tornar consciente e irresistível um amor preexistente.

O arrebatamento de uma paixão e sua trágica impossibilidade – marcada pelo fato de Isolda estar prestes a se casar com o Rei Mark, tio de Tristão – permitiram a Wagner explorar recursos musicais que serviram de porta de entrada para o atonalismo, caracterizado por não obedecer a uma tonalidade preponderante, algo que foi desenvolvido no decorrer do século 20. A instabilidade e a flutuação permanente que essa técnica possibilita correspondem à tensão interna do drama narrado. A idéia inconclusa da paixão impossível e do questionamento existencial, portanto, reflete-se na obra, caracterizada por dissonâncias e por uma resolução que parece nunca se concretizar.

Quando Wagner iniciou a composição dos três atos de Tristão e Isolda, não imaginava que iria realizar algo tão inovador. De acordo com a biografia Wagner: Um Compêndio, de Barry Millington, o compositor interrompera O Anel de Nibelungo com o intuito de trabalhar em uma obra que fosse mais acessível e proporcionasse maior facilidade de encenação. Além dos fatores emocionais e subjetivos, Wagner levou em conta necessidades financeiras para escrever a ópera. O problema é que, ao criar algo tão complexo, Tristão e Isolda só ficaria pronta cinco anos após sua idealização e seria montada quatro anos depois de finalizada. A ópera finalmente estreou no dia 10 de junho de 1865, em Munique, sob regência do maestro Hans von Bülow.

Além da dissolução tonal, Wagner direciona-se na contramão do barroco e do classicismo, nos quais o bel canto, tradição vocal italiana que designa uma forma suave de interpretação, era privilegiado em detrimento da música. O objetivo do compositor era restabelecer o equilíbrio texto-música-espetáculo. Tristão e Isolda se consolidaria como o ponto máximo da obsessão de Wagner pela arte total: a busca por uma unidade orgânica, com o desenvolvimento de uma relação perfeita entre diferentes elementos, que culminaria em um amálgama transformado em drama lírico inigualável.

Assim era Wagner: uma pessoa completamente comprometida com sua arte.

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