segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Caixa de Pandora musical

Dentre os preparativos para minha viagem a Portugal não poderiam faltar músicas portuguesas no mp3. Baixei uma "ruma" de cd's de Amália Rodrigues, Mariza, Madredeus, Mísia e, claro, minha mais recente descoberta: Cristina Branco.

Foi numa seleção musical que ganhei. Ouvi a linda "Por que me olhas assim?" umas mil vezes, tentando aliviar o coração, que sofria uma dor de cotovelo (será?) das grandes. Pois sim. A letra da música era tudo; a melodia, então, nem se fala. Dali pra frente busquei mais canções desta portuguesa de voz terna nascida em Almeirim.

Cristina diz que entrou para o mundo da música por acaso. O interesse nasceu quando seu avô lhe presenteou com um disco de Amália Rodrigues. Em um encontro entre amigos, arriscou cantar fado pela primeira vez, e desde então não parou mais.
Até os 24 anos, Cristina era uma completa desconhecida no universo musical. No início, fez algumas apresentações informais na Holanda, e a partir de um disco gravado por lá foi descoberta em sua terra natal.

O fado é a linha que guia o estilo de Branco, mas não é a identidade principal de sua música. Faz parte dela, é claro - Cristina regravou clássicos do gênero, como "Abandono" (gravado originalmente por Amália) -, mas seu estilo é uma mescla de diversas influências. E essa mescla resulta em uma "cara" bem peculiar, única. Cristina une passado e presente, criando uma música nova, mas que não deixa de beber na fonte da tradição.

De sua discografia, ressalto "Ulisses" (uma paquera entre Portugal e a região da Galícia, na Espanha) e "Kronos", seu álbum mais recente, que tem canções muito bem arranjadas, de uma delicadeza que é bem à la Cristina Branco.

Para vocês, Cristina interpretando "Redondo vocábulo":



Visite o site oficial da cantora

quinta-feira, 22 de julho de 2010

La niña

O acaso sempre me faz descobrir pessoas, lugares e artistas maravilhosos. Quando menos espero, me deparo com verdadeiras pedras preciosas, que não descobriria em situações além das imprevisíveis.

Dia desses, numa insólita noite de sábado, eu zapeava a TV em busca de algo interessante pra ver. Encontrei algo bom de se ver e ouvir, uma voz daquelas raras, que a gente encontra poucas vezes na vida. E pra mim, o grande trunfo de um cantor brilhante está em sua voz única, que não é semelhante a nenhuma outra já ouvida. Assim fiquei extasiada diante de um clip de Concha Buika - corri pra net pra pesquisar e descobrir algo sobre a dona de voz tão singular.

Concha Buika nasceu em Palma de Malorca, na Espanha, em 1972. Sua família é originária de Guiné Equatorial, e desde pequena Buika escutava jazz, um dos estilos favoritos de sua mãe. Outras referências musicais que fizeram parte de sua infância foram as coplas (espécies de poemas musicados típicos da Espanha) e o flamenco, ambas integrantes da identidade nacional espanhola.

Quando cresceu, Concha partiu para Las Vegas, para cantar em cassinos e trabalhar em shows de nomes como Tina Turner e Rachelle Ferrell. Depois resolveu instalar-se em Madri, onde começou a desenvolver sua carreira solo.

Já com seu segundo disco, "Mi ninã Lola", Buika recebeu reconhecimento do público e da crítica, através dos prêmios de melhor produção musical e melhor álbum de música espanhola, recebidos em seu país, e do prêmio da crítica fonográfica alemã. O sucesso veio para ficar quando lançou em 2008 o álbum "La niña de fuego", que misturou jazz, soul e coplas com flamenco. As canções de amor (e sobretudo de desamor) cantadas por Concha são tocantes, passionais, e sua voz muito particular, meio rouca, faz de cada uma delas temas inesquecíveis para a memória auditiva de qualquer pessoa.

"La niña de fuego" concorreu ao Grammy Latino de melhor álbum do ano e melhor produção do ano. Não levou nenhuma das duas estatuetas, mas projetou o nome de Concha Buika além do continente europeu. De lá pra cá, Buika lançou outro álbum ("El ultimo trago") e fez duetos com outros nomes de sucesso, como Nelly Furtado e Mariza (com quem gravou "Pequenas verdades"; linda canção).

No site oficial da cantora, o texto de apresentação diz que Buika não canta coplas, mas vive os poemas, penetra-os, dá-lhes vida. Pura verdade.

Veja o clip de "No habrá nadie en el mundo", uma das melhores faixas do álbum "Niña de fuego":



Assista ao clip de "La falsa moneda", outra jóia do mesmo álbum.

Visite o site oficial da cantora (em espanhol)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

George Harrison: A música que alimenta a alma

Durante o auge da beatlemania, George Harrison ficou conhecido como o "beatle tímido" devido a sua maneira introspectiva e tendência a falar pouco durante as entrevistas. Apesar da imagem de "beatle tranquilo", a maioria dos amigos, como Eric Idle, membro do Monty Python, asseguram que na intimidade ele era muito falante, contradizendo a imagem que a imprensa tinha a seu respeito.

A partir de 1965, George começou a contribuir frequentemente com composições para os Beatles. No álbum Help!, ele lançou duas composições próprias: "I Need You" e "You Like Me Too Much". No álbum Revolver, de 1966, George começou a compor cada vez mais e com mais qualidade, chegando a competir no mesmo nível com as composições de Lennon/McCartney. Neste álbum ele conseguiu lançar pela primeira vez três canções de sua autoria. Mas só em 1968 uma composição sua atingiria grande sucesso, a canção While my Guitar Gently Weeps, incluída no álbum duplo The Beatles (Álbum Branco).

Something foi a primeira canção de George a ser lado A de um compacto dos Beatles, "Something/Come Together". Ela é considerada sua mais bela canção e foi regravada por Elvis Presley e Frank Sinatra. Para Frank Sinatra, esta era "a melhor canção de amor dos últimos 50 anos" entretanto, ironicamente, Sinatra pensava que sua canção favorita tinha sido escrita por Lennon/McCartney. Porém, posteriormente na apresentação "Concert for the Americas", Sinatra antes de fazer sua versão de "Something", a credita como graciosamente escrita por Harrison.

Após a separação dos Beatles, em 1970, ofuscado por anos por John Lennon e Paul McCartney, George Harrison lançou grande parte do material que havia acumulado e iniciou sua carreira solo. O primeiro álbum de George foi um sucesso de crítica e de público. All Things Must Pass, de 1970, é considerado por muitos como o melhor disco de um ex-beatle e um dos melhores discos da história. O álbum atingiu o primeiro posto das paradas de sucesso britânicas e estadunidenses, incluía sucessos como as músicas My Sweet Lord, Isn't It a Pity e What is Life.

Seu próximo álbum se chamou Living in a Material World (1973) e fez sucesso com a canção "Give me Love (Give me peace on Earth)", segunda a atingir o primeiro lugar nas paradas de sucesso dos Estados Unidos, depois de "My Sweet Lord".

Após o assassinato de John Lennon, em 1980, escreveu a canção "All those years ago" em sua homenagem e chamou Paul McCartney, Linda McCartney e Ringo Starr para participarem da gravação. A canção foi lançada no álbum de 1981, Somewhere in England e se tornou um sucesso, atingindo o segundo lugar nos Estados Unidos.

Depois da turnê, George desapareceu da mídia e começou sua batalha contra o câncer de pulmão. O primeiro sinal de câncer de George apareceu na década de 90. Ele enfrentou várias cirurgias para eliminá-lo. Apesar dos tratamentos agressivos, logo se descobriu que era terminal, decidindo de imediato passar seus últimos dias em família e trabalhar em alguns projetos para posteriormente serem terminados por sua viúva e filho.

George faleceu dia 29 de novembro de 2001 em Los Angeles aos 58 anos de idade. Seu corpo foi cremado e alguns afirmam que suas cinzas jogadas no Rio Ganges embora a família não tenha oficialmente confirmado. Sua morte foi devido ao câncer que havia atingido ao cérebro. Após a sua morte, sua família emitiu um comunicado: "Abandonou este mundo como viveu: consciente de Deus, sem medo da morte e em paz, rodeado de familiares e amigos". Harrison costumava dizer: "Tudo pode esperar, menos a busca de Deus".

Exatamente um ano após sua morte, Olívia Harrison, sua mulher, e Eric Clapton, seu amigo, organizaram o Concert for George, no Royal Albert Hall, em Londres. O concerto contou com a presença do filho de George, Dhani, além de grandes amigos como Ravi Shankar, Tom Petty, Jeff Lynne, Billy Preston, Jim Capaldi, Paul McCartney, Ringo Starr, Jools Holland, Albert Lee, Sam Brown, Gary Brooker, Joe Brown, Ray Cooper, integrantes do Monty Python e Tom Hanks.

George Harrison escreveu algumas das canções que eu mais gosto, enquanto esteve nos Beatles e também em sua carreira solo. Mas acho que "While My Guitar Gently Weeps" e "Something" são as minhas preferidas. Fiquemos com "While My Guitar Gently Weeps" no vídeo abaixo:

sábado, 26 de junho de 2010

Paul McCartney: O autor das mais belas baladas

Em 1979, o Livro Guinness dos Recordes declarou-o como o compositor musical de maior sucesso da história da música pop mundial de todos os tempos. Teve 29 composições de sua autoria no primeiro lugar das paradas de sucesso estadunidense. Vinte das quais junto com os Beatles (que compôs junto com John Lennon) e o restante em sua carreira solo ou com seu grupo Wings. É o baixista mais famoso da história do rock, embora também toque outros instrumentos, como bateria, piano, guitarra, teclado, etc.

Paul McCartney é conhecido mundialmente como o baixista dos Beatles, uma das mais famosas bandas de todos os tempos. Junto com John Lennon, McCartney formou uma das mais influentes e bem sucedidas parcerias musicais de todos os tempos, "escrevendo as canções mais populares da história do rock". Após a dissolução dos Beatles em 1970, McCartney lançou-se em uma carreira solo de sucessos, formou uma banda com sua primeira esposa Linda McCartney, os Wings. Ele também trabalhou com música clássica, eletrônica e trilhas sonoras.

Durante os Beatles, McCartney e John Lennon escreveram juntos a maior parte dos sucessos da banda. McCartney era o que mais escrevia canções românticas. São de sua autoria canções como "Yesterday", "And I Love Her", "Michelle" e "Here There and Everywhere". Embora Paul sempre fosse acusado de só escrever baladas, ele também escreveu várias canções com um estilo mais pesado como "Back In The USSR", "Helter Skelter" e "The End". A canção "Yesterday" é a mais regravada por outros artistas em todos os tempos.

Em seu primeiro álbum após o fim do Beatles, McCartney, Paul escreveu todas as canções, gravou todos os instrumentos e produziu o disco em um estúdio particular de sua casa, com Linda fazendo os vocais de apoio. O disco foi considerado caseiro demais para os críticos, mas mesmo assim McCartney conseguiu fazer sucesso com a canção "Maybe I'm Amazed" e "Every Night".

Depois do disco solo Ram, ainda em 1971, Paul voltaria a formar uma nova banda, os Wings. Sua nova banda teve durante os anos de sua existência como integrantes fixos Paul McCartney, Denny Laine (ex-Moddy Blues) na guitarra e Linda McCartney nos teclados. Outros integrantes não eram fixos como os três.

Os Wings lançaram seu primeiro trabalho em 1972, Wild Life. No mesmo ano, os Wings apresentaram-se pela primeira vez ao vivo em algumas universidades inglesas. Atingiram o primeiro lugar nas paradas de sucesso, com este álbum e com a canção "My Love". No mesmo ano, a banda lançou a canção "Live And Let Die", parte da trilha sonora do filme de 007 - James Bond: Viva e Deixe Morrer.

O álbum seguinte foi o álbum de maior sucesso da banda, Band on the Run, eleito o disco do ano, apresentando hits como Jet e a faixa-título. Em 1974, os Wings lançaram o álbum Venus and Mars e no ano seguinte o álbum Wings at the Speed of Sound com a canção "Silly Love Songs", em resposta a provocação de John Lennon em "How dou you sleep?" do álbum Imagine.

Durante esses últimos anos, McCartney realizou espetáculos que entraram para a história. Apresentou-se duas vezes na partida final do Super Bowl (em 2002 e 2005), finalizou o show em comemoração ao Jubileu da Rainha da Inglaterra Party at the Palace, participou de uma homenagem feita ao ex-beatle George Harrison no Royal Albert Hall em Londres (Concert for George em 2002), fez o primeiro show da história da canção no Coliseu de Roma, apresentou-se pela primeira vez em Moscou (em 2003), tocou no famoso festival inglês Glastonbury Festival (em junho de 2004), tocou no Rock in Rio Lisboa (em 2004) e abriu e finalizou o show do Live8 (em julho de 2005). No ano de 2005, McCartney lançou o disco Chaos and Creation in the Backyard, que foi indicado ao Grammy de melhor álbum.

Paul sempre foi considerado o mais talentoso dos Beatles. E depois de George Harrison, é o meu beatle favorito. Agora, veja, no vídeo abaixo, a canção "My Love", composta por ele em homenagem à sua ex-esposa, Linda McCartney:


John Lennon: A música que traz esperança

Dentre as suas maiores composições estão "Help!", "Strawberry Fields Forever" e "All You Need Is Love" enquanto fazia parte dos Beatles e "Imagine", "Instant Karma!", "Happy Xmas (War Is Over)", "Woman", "(Just Like) Starting Over" e "Watching the Wheels" em carreira solo.

Em 2002, entrou em oitavo lugar em uma pesquisa feita pela BBC como os 100 mais importantes britânicos de todos os tempos. E recentemente, em 2008, foi considerado pela revista Rolling Stone, o 5º melhor cantor de todos os tempos. Ainda hoje, seu nome é sinônimo de esperança e coragem para milhares de fãs. Este é John Lennon.

Na primeira fase dos Beatles, John era responsável pela maioria das composições, mesmo elas sendo assinadas como dupla Lennon/McCartney. Era evidente sua liderança e maior produtividade musical na banda. John Lennon também começou a desenvolver-se como letrista e compôs algumas canções mais intimistas influenciadas por Bob Dylan como "I'm a loser" e "You've got to hide your love away". Durante a segunda fase dos Beatles, John revelou-se cada vez mais um grande letrista. Entre suas composições estão "All you need is love", "Strawberry Fields Forever", "A day in the life" e "Across the Universe" entre outras.

Em 1966, John, na época casado com Cynthia Powell, conheceu a artista plástica japonesa Yoko Ono. Ela foi e ainda é taxada por muitos fãs dos Beatles como uma das principais causas da separação do grupo. Também é tida como uma aproveitadora e manipuladora da carreira solo de John, uma mulher sem talento musical que se fez presente em muitos álbuns solos do cantor. Por outro lado, seus defensores alegam que Yoko é atacada por não fazer parte de uma padrão de beleza comum. Alegam que Yoko estimulou John a ter uma atitude mais preocupada com problemas sociais (guerra, violência, política, etc.) e a viver mais intensamente sua vida privada com o filho e a família. Seja como for, Yoko é uma figura polêmica entre os fãs do cantor e músico, mas que viveu ao seu lado, recebendo inúmeras declarações de amor de John até sua morte.

Junto a Yoko Ono, John começou sua carreira solo mesmo ainda fazendo parte dos Beatles, mas sem muito sucesso. Ele lançou o primeiro álbum, Two Virgins, em novembro de 1968. Two Virgins era um álbum experimental e que trouxe gravações caseiras. A capa do álbum causou polêmica, pois os dois apareceram nus. Um mês antes do lançamento do álbum, eles foram presos pela polícia por porte de drogas.

Em 1971, John atinge o sucesso com o álbum Imagine. A faixa-título faz muito sucesso e torna-se um hino da paz no mundo inteiro. John viria a dizer, pouco antes de sua morte, que parte da letra de "Imagine" era de Yoko, apesar de ele não haver creditado a parceria à esposa. O álbum atingiu o primeiro lugar nas paradas de sucesso estadunidense e inglesa.

Após cinco anos de reclusão, em 1980, John Lennon voltou a gravar um novo álbum, Double Fantasy. Durante este período de reclusão, John gravou alguma coisa em sua casa e compôs algumas canções. O álbum foi dividido entre canções de Lennon e Yoko. Em "(Just Like)Starting Over", John faz referências à sua volta. "Starting Over" e "Woman" atingiram o primeiro lugar nas paradas de sucesso. Ainda fizeram sucesso "Watching the Wheels" e "Beautiful Boy", sucesso que foi impulsionado pela morte de John Lennon.

Na noite de 8 de dezembro de 1980, quando voltava para o apartamento onde morava em Nova Iorque, John foi abordado por um rapaz que durante o dia havia lhe pedido um autógrafo em um LP Double Fantasy. O rapaz era Mark David Chapman, um fã dos Beatles e de John, que acabou dando 5 tiros em John Lennon com revólver calibre 38. A polícia chegou minutos depois e levou John na própria viatura para o hospital. O assassino permaneceu no local com um livro nas mãos, "O Apanhador no Campo de Centeio" de J.D. Salinger. John morreu após perder cerca de 80 % de seu sangue, aos quarenta anos de idade. Logo após a notícia da morte de John Lennon, que correu o mundo, uma multidão se juntou em frente ao apartamento, com velas e cantando canções de John e dos Beatles. O corpo de John foi cremado no Cemitério de Ferncliff, em Hartsdale, cidade do estado de Nova Iorque, e suas cinzas foram guardadas por Yoko Ono.

O assassino foi preso, pois permaneceu no local, esperando os policiais chegarem. Ao entrar na viatura, pediu desculpas aos policiais pelo "transtorno que havia causado". Em seu julgamento alegou ter lido em "O apanhador no Campo de Centeio" uma mensagem que dizia para matar John Lennon. Acabou sendo condenado à prisão perpétua e até hoje é mantido numa cela separada de outros presos, devido às ameaças de morte que recebeu.

Após a morte de John, foi criado um memorial chamado Strawberry Fields Forever no Central Park. Alguns discos póstumos foram lançados, como Milk and Honey, com sobras de canções do disco Double Fantasy. Várias coletâneas e um disco chamado Accoustic foram lançados em 2005. Yoko Ono administra tudo o que se refere a John Lennon, suas canções em carreira solo, seus vídeos e filmes.
Philip Norman escreveu a biografia: "John Lennon - A Vida", onde revela fatos polêmicos sobre o cantor, como a vontade de ter tido relações sexuais com sua mãe ou um possível caso amoroso com seu empresário, Brian Epstein. O livro mostra retrata um sujeito inseguro, às vezes violento e venenoso, além de criativo, talentoso, bondoso e corajoso.

No documentário Imagine, onde alguns familiares e amigos falam como era conviver com o cantor, Yoko Ono diz que o ex-beatle era como “um velho soldado que lutava ao meu lado”. Odiada por muitos que a consideram o pivô da separação da maior banda de todos os tempos e extremamente amada por John Lennon que declarou em uma de suas músicas que não acreditava em religião, no Bob Dylan, na política, nos homens, mas acreditava nele e na Yoko. Fiquem com a belíssima canção “Woman”, escrita por John Lennon em homenagem à sua musa, Yoko Ono.


quarta-feira, 23 de junho de 2010

O mago dos timbres

“Acabamos de ouvir Scheherazade, obra de Rimsky, orquestrada por Korsakov.” (ri de mais quando li isso). Foi assim que um locutor estadunidense apresentou ao público, há poucos anos, uma das peças orquestrais mais conhecidas do repertório clássico. Pela confusão, ele não era do ramo. Porque Nikolai Rimsky-Korsakov está longe de ser um desconhecido na música erudita. Ele foi um dos grandes compositores russos do século 19, um cultuado mestre da orquestração que escreveu um tratado sobre o tema, leitura obrigatória até hoje nas melhores escolas de música. Professor de Igor Stravinsky, compôs 11 obras sinfônicas e 15 óperas que estabeleceram a linguagem russa na música clássica ocidental. Korsakov é unanimidade entre críticos e pesquisadores, que aplaudem sua imaginativa escrita orquestral, capaz de capturar espanholismos, orientalismos e demais sons exóticos que davam as caras no final do século 19.

Se Tchaikovsky foi o responsável pela internacionalização da música russa, Rimsky-Korsakov foi fundamental na solidificação e renovação dessa escola. Filho de aristocratas, iniciou seus estudos de piano aos 6 anos e, aos 9, já apresentava suas primeiras peças. Apesar de ter demonstrado grande aptidão pela música, ele acabou ingressando no Colégio Naval Imperial russo e, depois, na Marinha russa, mas nunca perdeu o desejo de aprofundar seus estudos musicais. Aos 17 anos, procurou o compositor e grande entusiasta do movimento nacionalista, Mily Balakirev, fundador do Grupo dos Cinco (já mencionado em postagens anteriores), do qual também fizeram parte César Cui, Modest Mussorgsky e Alexandre Borodin.

Dez anos mais tarde, Korsakov era nomeado professor de composição e orquestração do Conservatório de São Petersburgo. Sua vocação para o ensino da composição era natural. Por anos, ele foi responsável pela revisão de obras de seus colegas compositores. Seu conhecimento de orquestração era tão rico que até hoje, nessa arte, ele é comparado a Berlioz e Ravel. Durante seus mais de 30 anos de academicismo, foi professor de personalidades como Glazunov, Prokofiev, Stravinsky e Respighi. Como regente, levou sua música e a de seus conterrâneos para toda a Europa.

Rimsky-Korsakov acabou imortalizado por suas criações sinfônicas. Scheherazade, Capricho Espanhol e A Grande Páscoa Russa, são obras em que podemos perceber o exotismo de suas harmonias, a inventividade de suas melodias e, principalmente, a delicadeza, o detalhismo e a originalidade de sua orquestração.

Scheherazade

Depois de ter sido traído por uma mulher, o sultão Sharyar adquiriu o hábito de vingar-se de todas as outras, ao casar-se com uma a cada noite e executá-la na manhã seguinte. Isso até conhecer Scheherazade, que tramou contar uma história envolvente ao sultão a cada noite, instigando sua curiosidade para que a seqüência fosse revelada no dia seguinte, o que lhe permitiu viver. Após três filhos e mil e uma noites, Scheherazade foi salva por sua astúcia e reconhecida pelo sultão.

Influenciado pela trama do Livro das Mil e Uma Noites, Rimsky-Korsakov deixa que sua suíte sinfônica Scheherazade conte a história. O sultão é representado por uma pesada melodia de metais, enquanto a protagonista, Scheherazade, se traduz em um sedutor violino solo. Nos quatro movimentos da obra, as combinações entre madeiras, metais, cordas e percussão mesclam elementos orientais às orquestrações brilhantes e sensoriais de Rimsky-Korsakov, que inovou ao associar cores às tonalidades musicais. As imagens do marujo Simbad, do príncipe Kalender e da festa em Bagdá fazem de Scheherazade uma obra visual.

Vamos aos movimentos de Scheherazade:

Primeiro Movimento: O mar e o navio de Simbad
A música começa com Korsakov apresentando o sultão e Scheherazade. Ele, nos metais em uníssono fortíssimo; ela, um delicado violino solo pontuado pela harpa, enunciando a melodia oriental que perpassará toda a suíte.

Segundo Movimento: A história do Príncipe Kalender
Abre com uma citação do tema de Scheherazade e depois apresenta um novo motivo, mais ritmado e divertido.

Terceiro Movimento: O jovem Príncipe e a jovem Princesa
Quem sabe o mais belo movimento da suíte, apresenta duas novas melodias de sabor oriental. Primeiro, o tema do príncipe nos violinos, encadeado com o da princesa (este mais vivo, com ritmo marcado pela percussão e pelo trompete).

Quarto Movimento: A festa em Bagdá; o mar; o naufrágio dos barcos nas rochas
Korsakov reforça a percussão, transformando o tema do sultão para retratar o mar, o vento e a tempestade, marcada por um golpe no tam-tam. Scheherazade vence a disputa com o sultão, e a obra termina com o tema da heroína, no extremo agudo dos violinos.

Capricho Espanhol

Em suas memórias, Korsakov se lembra do primeiro ensaio desta peça, em 1887: “Quando acabou a primeira parte, a orquestra levantou-se e me aplaudiu (...) Emocionado, pedi aos professores que aceitassem que dedicasse a obra a eles. O Capricho era fácil de tocar e de brilhante efeito”. Modesto, continua dizendo que “a opinião da crítica de que o Capricho é uma peça excelentemente orquestrada não tem razão de ser. O Capricho é uma composição de grande efeito orquestral; a variedade de seus matizes, a feliz escolha das melodias, as diminutas cadencias virtuosísticas dos solos dos principais instrumentos, o ritmo da percussão – tudo isso constitui a essência da composição, e não apenas sua roupagem orquestral”.

Estruturalmente, a peça se divide em cinco movimentos interligados:

1 Alvorada: atmosfera de dança coletiva, que lembra um pouco o início da Carmen de Georges Bizet.
2 Variações: belo canto lírico enunciado pelas trompas, que depois passeia por toda a orquestra.

3 Alvorada: o mesmo tema do primeiro movimento, só que orquestrado de modo diferente.

4 Cena e Canto Cigano: a parte mais “espanhola” da obra, com direito a rufar de tambores quando o tema é enunciado em trompetes e trombas.

5 Fandango Asturiano: aqui entram as típicas castanholas, num finale que inclui até o retorno ao tema da Alvorada.

A Grande Páscoa Russa

A abertura retrabalha diversos temas de cantos religiosos do Ofício da Páscoa. Korsakov, porém, se fixou mais no “lado lendário e pagão da festa”, como deixa claro em sua autobiografia: “A lenta introdução à Grande Páscoa Russa, sobre o tema ‘Deus ressuscitará’, evocava, para mim, a profecia de Isaías sobre a ressurreição de Cristo. As cores sombrias do andante lúgubre parecem representar o Santo Sepulcro iluminando-se na ressurreição. O começo do allegro harmoniza-se com a alegria da cerimônia ortodoxa. O tema ‘Cristo ressuscitou’, constituindo de certo modo o tema secundário da obra, reaparece entre o apelo dos trompetes e o som dos sinos, formando uma coda solene”.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Esquisito e genial

Em 1888, os restos mortais de Beethoven e Schubert, que estavam no cemitério de Währing, em Viena, foram exumados e transferidos para o cemitério central da cidade, batizado de “panteão dos artistas”. Um senhor de 64 anos, nariz adunco e já encurvado, acompanhava os preparativos. Aproveitando uma distração dos médicos, ele pegou o crânio de Schubert e ajoelhou-se num gesto de veneração. Em seguida, atirou-se na cova de Beethoven e de lá saiu com o crânio de seu ídolo. Perdeu até uma lente do pincenê na manobra. Refeitos da surpresa, os patologistas expulsaram aos safanões o invasor.

Noutra ocasião, houve um incêndio próximo ao apartamento onde esse mesmo senhor de jeito distraído, sempre metido em calças pula-brejo, morava. E ele pediu autorização dos bombeiros para ver de perto as dezenas de cadáveres carbonizados. E, quando os restos mortais do imperador Maximiliano I foram trasladados do México para Viena, o velhinho implorou para examinar com as próprias mãos o crânio e os ossos do monarca. Ele também mantinha em casa o crânio de um primo que se suicidou com um tiro na cabeça.

Tais episódios protagonizados pelo compositor Anton Bruckner compõem uma figura desequilibrada. Ele era de fato esquisitão. Mas não se deixe enganar. Bruckner foi um formidável compositor. Richard Wagner o considerava o único herdeiro digno de Beethoven.

Desde Bach, a música não encontrava outro compositor tão religiosamente devotado quanto o austríaco Anton Bruckner. Filho de professores, teve seu destino, que parecia certo na mesma direção dos pais, mudado em função de sua paixão pelo órgão. Sua educação no convento de St. Florian fez dele um incondicional devoto do catolicismo e um apaixonado pelo estilo barroco.

Além da profunda religiosidade, Bruckner desenvolveu uma obsessão pela numerologia e uma mórbida atração por cadáveres, principalmente depois de ter o crânio de Beethoven em suas mãos. Era, no entanto, uma pessoa de modos simples. Interiorano, sentia-se deslocado na sofisticada sociedade vienense. Não teve muitas chances em vida e não possuía o espírito da autopromoção tão aguçado quanto o de outros compositores. Ele se alimentava de sua fé. Deixou uma obra de profunda espiritualidade, que abriu novos caminhos para a sinfonia na passagem do século 19 para o 20.

Sua paixão por Beethoven e sua simpatia por Wagner deixavam pouco espaço para que suas obras fossem executadas, principalmente em uma Viena dominada pela estética de Brahms. Para ter sua música aceita pelo grande público, revisou e deixou que outros revisassem inúmeras vezes suas sinfonias. Tanto que, atualmente, é uma intricada tarefa decidir qual é a versão mais autêntica.

Um bom exemplo é a sua Sinfonia N.7, composta entre setembro de 1881 e agosto de 1883. Ela passou por muitas revisões e, como foram realizadas sobre o próprio original, é extremamente difícil chegarmos ao que poderia ser versão de 1883. Trata-se de uma das obras mais maduras do mestre austríaco. Nela podemos sentir a sonoridade grandiosa do órgão – seu instrumento, que tantas vezes transportou para a orquestra -, seus sonhos e sua religiosidade. Religiosidade esta usada como fundamento para duas peças: a Ave Maria para coro a cappella, segunda de três escritas por Bruckner, e o Virga Jesse Floruit, um de seus vários motetos em latim.

Dentre as composições de Bruckner, escolhemos para analisar a grandiosa Sinfonia N.7. Como ocorreu com grande parte de sua obra, o austríaco, insatisfeito e incomodado com a crítica, reescreveu a Sinfonia N.7 em Mi Maior. A obra trouxe reconhecimento ao músico como grande sinfonista e abriu o caminho do sucesso. Bruckner, que estava acostumado a ver os ouvintes deixar os auditórios de forma fria depois das estréias de suas sinfonias, foi aplaudido por 15 minutos após o début da Sinfonia N.7 diante do público conservador de Leipzig, na Alemanha.

Mesmo depois do sucesso, também em Munique e em Viena, a composição não deixou de ser criticada por aqueles que ou não compreendiam a modernidade ou fingiam não entender apenas para rivalizar e desestabilizar Bruckner. Como fizera um de seus desafetos, o crítico tcheco Eduard Hanslick: “Nela [Sinfonia N.7] ouvi apenas uma escuridão interminável”. Ataques como esse levaram o compositor a revisar passagens da sinfonia, principalmente o belo e longo adagio, segundo dos quatro movimentos, dedicado à memória do compositor alemão Richard Wagner. Da original, de 1883, para a segunda versão, feita por Bruckner dois anos depois, algumas alterações foram feitas, como a inclusão de tímpanos, pratos e triângulo. Diante das duas versões, a obra vem ganhando diferentes interpretações de andamento e dinâmica, dependendo da regência. Uma passagem famosa é a batida dos pratos no clímax do adagio, que alguns maestros incluem, outros não.

O processo de reformulação das obras mostra como Bruckner era um perfeccionista em busca da composição ideal, o que, em parte, pode ser atribuído a sua solidão. O compositor não chegou a ter uma relação afetiva e sentimental, e há quem acredite que ele tivesse problemas mentais.

Bruckner começou a revolucionar seu trabalho depois de ter assistido à estréia da ópera Tannhäuser, de Wagner, em 1863. Muitos chegaram a classificar Bruckner como o “sinfonista de Bayreuth”, em referência à casa de ópera imortalizada pelo alemão. Na realidade, pode-se dizer que as grandes influências wagnerianas em Bruckner se devem à arte da orquestração, já que este ignorava os aspectos filosóficos e eróticos impregnados nas óperas do sentimental, mundano e profano Wagner.

Após o sucesso da Sinfonia N.7, a oitava obra sinfônica de Bruckner, finalizada em 1885, foi igualmente aclamada pelos críticos, firmando-o como um mestre do gênero instrumental para orquestras. Onze anos depois, o compositor morreu em Viena, deixando sua Sinfonia N.9 inacabada, com apenas três movimentos – considerados por muitos como o auge de sua capacidade criativa -, sem o finale.

Perceba, no vídeo abaixo, toda a devoção e grandiosidade dessa alma musical totalmente voltada à palavra de Deus em um trecho da Sinfonia N.7:

domingo, 20 de junho de 2010

Equilíbrio entre o piano e a orquestra

Do surgimento do primeiro concerto para o instrumento que Johannes Brahms dominava para a estréia do Concerto para Piano N.2 em Si Bemol Maior Opus 83, passaram-se 22 anos. Tempo suficiente e fundamental para o compositor amadurecer e modificar sua maneira de pensar na relação entre piano e orquestra para esse tipo de obra instrumental.

Em 1854, época do surgimento de sua Sonata para Dois Pianos, Brahms ocupava-se somente de obras para esse instrumento, sem ter experiência com peças para orquestra. Mas já dava sinais de que idéias de composições que explorassem sonoridades mais amplas começavam a se desenvolver em sua mente. “Na realidade, nem mesmo dois pianos me bastariam”, disse Brahms, referindo-se à necessidade de ir além das limitações que seu piano encerrava.

Quando concebeu o primeiro concerto, Brahms já pensara em diminuir o abismo entre um tema solo (o do piano) e a expansão sinfônica. De fato, essa redução ocorre, mas é somente com o Concerto para Piano N.2 que ele atinge tal equilíbrio de forma perfeita. Pode-se dizer que a dosagem é extremamente bem-sucedida, pois o pianista não se apequena diante da gigantesca sombra da orquestra do período maduro do romantismo. Pelo contrário, até então Brahms nunca havia conseguido executar de forma tão sutil a complexa missão de separar com clareza as partes do solo e as da orquestra.

Mesmo com domínio completo da técnica, o compositor da cidade de Hamburgo, Alemanha, conseguiu com essa obra demonstrar outra virtude: não fazer apenas um concerto de virtuose para o piano, seguindo os cânones formais disseminados no século 19. Seu objetivo não era fazer com que o pianista sobressaísse à orquestra nem que esta dominasse unilateralmente os quatro movimentos. O que se buscava era que os dois fossem subordinados à idéia da composição e respeitassem de forma natural as intervenções um do outro. Brahms aproveitou os exemplos deixados pelo austríaco Mozart e o compatriota Beethoven para executar essa sinergia de forma singular. Como disse o crítico musical alemão Carl Dahlhaus: “Brahms não se submetia à tradição, ele a repensava”.

Com cerca de uma hora de duração, o Concerto para Piano N.2 tem quatro movimentos. No primeiro, destaque para a combinação de força e respeito entre o solo e a orquestra. O segundo é conhecido pela extrema dificuldade exigida do piano em algumas passagens. Para se ter uma idéia, o pianista brasileiro Nelson Freire, um dos maiores do mundo, se revelou aflito diante da famosa seqüência de oitavas a ser executada com as duas mãos – as famosas “oitavas de Brahms”. No terceiro movimento, grande parte da expressividade sentimental fica a cargo dos violoncelos. Por fim, o último é marcado pelo belo diálogo entre piano e cordas rumo à apoteose.

O Concerto para Piano N.2 tornou-se modelo para pianistas. Reconhecido pelas obras sinfônicas, anos depois Brahms ainda fez um concerto para violino, violoncelo e orquestra, eternizando-se como um compositor completo também no gênero instrumental com solistas.

sábado, 19 de junho de 2010

“Nosso amor que não esqueço”

No dia do seu aniversário, na noite de 11 de dezembro de 1936, seis meses antes de morrer, Noel de Medeiros Rosa fez o último pedido à dançarina de cabaré Juraci Correia de Araújo – a Ceci -, a grande paixão da sua vida. “Gostaria que passássemos a noite juntos”, disse, apoiado nas garrafas de cerveja sobre uma das mesas do bar Taberna da Glória, no Rio de Janeiro.

A lembrança daquele episódio e a memória do amor do poeta da Vila Isabel pela dançarina seriam eternizadas naquela que é a obra-prima entre as 230 composições deixadas por Noel Rosa nos seus curtos e intensos 26 anos e meio de vida: Último Desejo. Música de melodia simples, mas requintada, e com uma letra notadamente autobiográfica, assim como grande parte dos sambas de Noel, foi um de seus maiores sucessos.

A canção em que Noel cria “música exata para sua própria poesia”, segundo os críticos Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, ficou conhecida na voz de Aracy de Almeida, a grande intérprete do compositor. Foi ela quem primeiro gravou Último Desejo, dois meses depois da morte do Poeta da Vila. Contudo, uma versão foi regravada por Marília Batista, outra cantora assídua dos sambas de Noel. Essa versão continha uma melodia diferente e uma inserção de piano arranjada pelo compositor paulista Osvaldo Gogliano, o Vadico, parceiro de Noel. Uma longa polêmica se estabeleceu entre as cantoras pelo veredicto de quem seria a dona da melhor interpretação. Nunca houve consenso pela crítica.

Os amores e o Rio de Janeiro foram algumas das maiores inspirações para os sambas de Noel, que nunca deixou de lado a crítica social. Cantou muitas vezes a Vila Isabel, bairro onde nasceu e de onde nunca saiu. Descreveu as gírias, a malandragem carioca, os males da modernidade e as desilusões amorosas. Apesar de se casar com a jovem Lindaura em 1934, nunca se esqueceu da dançarina de 16 anos que conheceu no Cabaré Apolo, no bairro carioca da Lapa, e o deixou para ficar com o autor de Ai, que Saudades da Amélia, o compositor Mário Lago. Noel eternizou aquele primeiro encontro com Ceci nos primeiros versos de Último Desejo: “Nosso amor que não esqueço/ E que teve seu começo/ Numa festa de São João/ Morre hoje sem foguete/ Sem retrato e sem bilhete/ Sem luar, sem violão”. E encerrou a composição com sarcasmo: “Às pessoas que eu detesto/ Diga sempre que eu não presto/ Que meu lar é um botequim/ Que eu arruinei sua vida/ Que eu não mereço a comida/ Que você pagou pra mim”.

Noel fez questão de que sua musa Ceci fosse uma das primeiras pessoas a conhecer a letra de Último Desejo. Já debilitado pela tuberculose que o mataria, recebe Vadico, com quem havia dividido a autoria de outros sambas inspirados em seu amor por Ceci, como Pra que Mentir e O Maior Castigo que Eu Te Dou. Cantarolou nota por nota para o amigo, que transcreveu a melodia para a pauta e se comprometeu a fazer um arranjo de piano. “Quero mais um favor seu, Vadico. Gostaria que você desse uma cópia da letra para Ceci”, pediu Noel.

Cumprindo aquele que era o último desejo do amigo, Vadico levou a letra para Ceci no início de uma noite, quando ela começava o expediente em uma boate. “O que é?”, perguntou a dançarina, confusa. “É um samba de Noel”, respondeu Vadico. “É para mim?”, ela perguntou. “Ele pediu que te desse.” Antes de virar as costas, o parceiro de Noel comentou: “Acho que ele te castiga um pouco nesse samba, Ceci”.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Música feita com imaginação

O compositor estadunidense Charles Ives não teve medo de ser uma voz dissonante. Numa época em que os músicos de seu país miravam-se na tradição européia, Ives fez a música que sua imaginação quis. Como a composição não era sua fonte de renda, pôde mais facilmente se libertar das convenções e experimentar inovações que só mais tarde seriam adotadas por outros músicos europeus.

Depois de ter estudado música na Universidade Yale, o compositor entrou para o ramo de seguros. Corretor bem-sucedido, pôde, nas horas vagas, soltar a imaginação em obras de grande complexidade. Suas composições deram muito trabalho na hora da publicação: a Sinfonia N.4, por exemplo, tem trechos em que os instrumentos executam 17 ritmos diferentes de uma só vez.

Composta no período de maior criatividade de Ives, entre os anos de 1910 e 1916, essa obra, de difícil execução, é a maior expressão do seu pensamento visionário. Exigia a distribuição dos músicos por pontos diversos do auditório, de modo que o público percebesse intensidades sonoras diferentes. O fascínio pelos sons do cotidiano se faz perceber em diversos trechos da sinfonia, em especial no segundo movimento. Aqui, os metais executam frases de fanfarra em meio a uma textura caótica, barulhenta e atonal. No quarto e último movimento, partes tonais e atonais se digladiam, fechando-se com uma vocalização inovadora para coro.

Fé cristã e polifonia em harmonia

Evitando as dissonâncias e produzindo sonoridades consideradas “sublimes” por seus contemporâneos, Giovanni Pierluigi da Palestrina era o compositor ideal para provar aos doutores da Igreja, reunidos no Concílio de Trento, preocupados com o avanço do protestantismo, que a fé cristã não era incompatível com a polifonia – estilo de composição com mais de duas linhas melódicas executadas ao mesmo tempo. Reza a lenda que muitos membros do Concílio, que a consideravam um empecilho ao entendimento do texto sacro, mudaram de idéia ao ouvir a Missa Papae Marcelli (Missa do Papa Marcelo), dedicada a Marcelo Cervini, o papa Marcelo II, entronizado em 1555 e morto 22 dias depois de ter assumido o pontificado. Palestrina provou que a voz humana era a melhor forma de exprimir o significado das palavras bíblicas, associada às imagens visuais evocadas pelas demais linhas melódicas da obra. Com esta missa, publicada em 1567, salvou a polifonia da proibição católica.

Palestrina casou-se duas vezes. Sua segunda esposa, Virginia Domoli, financiou as obras do marido ao longo de seus últimos anos de vida. Mesmo assim, os planos do celibato passaram pela cabeça do compositor italiano. Esse sonho religioso jamais se concretizou. Com suas 150 missas, 250 motetos (peças polifônicas), madrigais e outras obras sacras, Palestrina era extremamente alinhado com a Contra-Reforma. Tornou-se mestre-de-capela das duas maiores igrejas romanas, São João de Latrão e Santa Maria Maggiore, com passagens pela Capela Giulia e pela Capela Sistina. Sua música tornou-se paradigma do que deveria ser a música religiosa feita dentro dos cânones do catolicismo.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Futebol: Um caso de amor

A seleção brasileira de futebol estréia sua participação na Copa do Mundo da África do Sul hoje contra o selecionado norte-coreano. Então, para homenagear e dar nossa força aos jogadores brasileiros, nosso post é sobre uma canção escrita por um dos maiores compositores da música popular nacional: Pixinguinha. Um a Zero, que já foi regravada por diversos artistas, é uma das melhores canções sobre o esporte número 1 do Brasil, o futebol. Outras tantas sobre o mesmo assunto foram compostas e são até mesmo mais conhecidas pelo grande público como, por exemplo, Uma Partida de Futebol, da banda mineira Skank, mas Um a Zero se tornou um clássico.

Veja, no vídeo abaixo, a canção Um a Zero:



Força, Brasil!!!

domingo, 13 de junho de 2010

Penderecki: o mais experimental dos compositores poloneses

O Réquiem Polonês, obra-prima do compositor polonês Krzysztof Penderecki, sintetizou não só os sofrimentos da história do país, como também características de diversos períodos da música ocidental. A criação de Penderecki para o grande contingente orquestral e, principalmente, vocal garante uma carga emocional profunda e um domínio único de técnicas antigas e modernas.

A Polônia só se abriu para a música moderna a partir de 1956. Nesse período de efervescência das vanguardas na Europa, Penderecki se destacou como o compositor mais experimental de seu país. Diante do esgotamento e do hermetismo das novas pesquisas, mudou o rumo de sua música nos anos 1970.

Duas grandes fontes para o Réquiem Polonês foram a música do século 19 e a polifonia vocal da Renascença. O resultado são muitas camadas de vozes em contraponto, formando dissonâncias complexas. O Réquiem consiste na junção de peças compostas em períodos distintos. A Lacrimosa foi escrita em 1980 para a inauguração de um monumento aos estivadores mortos no protesto de Gdansk, dez anos antes. No ano seguinte, Penderecki escreveu em uma tarde o Agnus Dei, após a morte de Stefan Wyszynski, cardeal que teve papel crucial no diálogo entre a Igreja Católica e o Estado comunista polonês. Em 1984, mais trechos surgiriam de uma encomenda à celebração da luta polonesa contra o nazismo. No mesmo ano, o compositor decidiu juntar essas obras independentes em uma só, completando com novas partes. A versão definitiva viria em 1993, com a adição de mais um segmento. O finale, otimista, revela seu desejo de uma Polônia sem sofrimento no futuro.


Os diamantes de Marilyn

Duas amigas, Lorelei Lee (Marilyn Monroe) e Dorothy Shaw (Jane Russell), embarcam num cruzeiro rumo a Europa à caça de um marido rico. A loira é louca por diamantes; a morena, por músculos. Por meio da história das garotas, o filme deixa subentendido um ideal de liberação feminina: nessa trama, são os homens que – movidos pelo desejo – ocupam o lugar de meros objetos, gravitando em torno das protagonistas.

No filme “Os homens Preferem as Loiras”, a comédia musical é marcada por cenas antológicas entre as quais a que imortalizou Marilyn Monroe, quando canta Diamonds Are a Girl’s Best Friend descendo uma escadaria cercada por dançarinos.

E como este blog é sobre música, o leitor pode ver o trecho do filme em que a loira mais famosa de Hollywood protagoniza a cena citada:

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Convocação à fraternidade universal

No dia 7 de março de 1824, os privilegiados espectadores sentados na platéia do teatro Kärthnerthor, em Viena, então capital do Império Austro-Húngaro, mal sabiam que estavam para presenciar a primeira audição mundial da maior obra-prima da história da música. Ainda que o autor já fosse uma celebridade, recebido naquele mesmo dia com uma ovação digna das platéias de música pop de hoje, a reação foi surpreendente. O comissário de polícia precisou intervir para silenciar a explosão de aplausos na chegada do alemão Ludwig van Beethoven à primeira apresentação de sua Nona Sinfonia. Afinal de contas, o público já estava na quinta ovação – mais do que as três que eram regra para a família imperial. Todo esse festejo acolhia um homem que não era empregado do Estado, que perdera completamente a audição e que, durante a última década de decadência física e silêncio criativo, injuriara abertamente a nobreza, os tribunais e o imperador austro-húngaro, Francisco I.

Após as palmas, um grande estranhamento. Até então, a sinfonia – forma musical para orquestra desenvolvida e consagrada durante o classicismo, construída em geral por três ou quatro grandes seções independentes chamadas movimentos – excluía por definição as vozes humanas. No entanto, no palco sentavam-se quatro solistas e um coral em quatro partes. Para aumentar a perplexidade, enquanto duas flautas, dois oboés, duas clarinetas, dois fagotes, quatro trompas, dois trompetes, tímpanos e cordas desenrolavam movimentos que superavam a racionalidade clássica, permaneciam em silêncio o coral e os solistas, o flautim, o contra-fagote, os três trombones, o triângulo, os pratos e o bumbo sinfônico, coisa que não era habitual. Eles somente entrariam no quarto e último movimento.

Três anos antes de sua morte, Beethoven realizava uma vontade que vinha desde os 22 anos. Conforme o filósofo e jurista Bartholomäus Fischenich comentara com a irmã de Friedrich Schiller, já em 1793 o compositor queria musicar verso por verso An die Freude (Ode à Alegria), do poeta alemão. E era o que fazia no derradeiro movimento da obra, quebrando a última barreira do modelo sinfônico. “Oh, amigos, não chega desses sons? Entoemos algo mais prazeroso e alegre!”, vibrou o barítono em recitativo. Os baixos do coro responderam-lhe forte – “Freude, Freude” (alegria, alegria) – para que, com a orquestra silenciada, começasse a solar um dos temas mais conhecidos da música ocidental, que proclama: “alle Menschen werden Brüder” (“todos os homens serão irmãos”).

Complexidade
A Nona de Beethoven é considerada a culminância da composição sinfônica. Tido como o pai do gênero, o austríaco Joseph Haydn compôs mais de cem sinfonias; o também austríaco Wolfgang Amadeus Mozart, que só viveu 35 anos, fez 40. Já Beethoven parou em sua nona – e isso não foi por acaso. Ele transformou a sinfonia, até então um entretenimento cortês, numa expressão monumental do intelecto e das emoções. Impregnou nas estruturas clássicas liberdade e fantasia, retomando a rica polifonia barroca e trazendo novas forças destrutivas, que davam à sua música caráter heróico: a obra parecia lutar contra ela durante o desenvolvimento, até superá-las.

Enquanto suas duas primeiras sinfonias se aproximam do modelo haydniano, Beethoven superou seu antigo professor e a si próprio a cada composição. Progressivamente, estendeu a complexidade da orquestração, o virtuosismo instrumental, a profusão e o desenvolvimento de temas e duração da peça. Os 15 minutos de uma sinfonia típica de Haydn foram quadruplicados na Nona de Beethoven. Com uma orquestra duas vezes maior que a de seu mestre, Beethoven inflou os registros mais graves com violas, violoncelos e contrabaixos. Isso trouxe o aspecto pesado e escuro de sua obra. Os baixos passaram a assumir melodias, dialogando com as demais cordas – um desafio para instrumentistas acostumados a executar apenas bordões no acompanhamento.

No entanto, a obra de Beethoven, reconhecida como uma transição para o romantismo, não descartou o classicismo. Ele manteve em suas composições a forma sonata, uma estrutura racional de composição que era o cerne do estilo clássico e se baseava na exposição, desenvolvimento e recapitulação de um material musical. A diferença estava na ênfase. Até Haydn e Mozart, o coração da sonata residia na exposição. Agora, com a complexidade harmônica, rica em modulações, transferiu-se para o desenvolvimento, que assumiu dimensões até então inimagináveis.

Beethoven levou a cabo essa expansão das formas herdadas do classicismo durante a maior crise de sua biografia. “Há tempos não consigo escrever com facilidade. Sento-me, penso e penso, e consigo arranjar tudo, mas nada sai do papel. Um grande trabalho me perturba imensamente no início”, escreveu para o jornalista Johann Friedrich Rochlitz, em 1822.

Depressão
A partir de 1813, devido ao agravamento da perda da audição, o músico entrara em uma espiral de decadência física, psicológica e moral, dominada por pensamentos suicidas e persecutórios. Surdo, Beethoven era considerado um recluso excêntrico, se não lunático, tomado por acessos de ira e sentimento de perseguição.

Os relatos dos contemporâneos são implacáveis: para eles, o comportamento era feio, malvisto e até repulsivo de tão sujo. Baixo, tinha a farta cabeleira desleixadamente crescida e o rosto largo marcado pela varíola e por cortes de lâmina de barbear. Seus movimentos deselegantes faziam-no derrubar constantemente o tinteiro sobre o piano. Ao contrário da limpeza e organização dos manuscritos de Mozart, Franz Schubert ou Felix Mendelssohn, os seus eram cheios de borrões, manchas de gordura, datas e comentários rabiscados nas margens. Apesar do prestígio, nunca conseguiu estabelecer um relacionamento amoroso, permanecendo solteiro e solitário.

Autor de Fausto, o escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, depois de ter visitado o compositor no resort tcheco de Teplitz em 1812, comentou com um amigo berlinense: “Seu talento impressionou-me, mas infelizmente tem uma personalidade indomesticada. Não está de todo errado ao considerar o mundo repulsivo, mas sem dúvida não faz esforços para torná-lo mais agradável para ele ou para outros. Deve-se mostrar-lhe compaixão, pois está perdendo a audição, coisa que afeta menos seu lado musical que o social”.

Em 1815, ano que foram esboçadas as primeiras idéias para a Nona, Beethoven perdeu um dos irmãos mais novos, Kaspar Karl, e se meteu em um dos episódios mais desgastantes e ruidosos de sua biografia: uma guerra contra a cunhada, Johanna Reiss -, a quem chamava de “dama da noite” – pela guarda do sobrinho Karl, então com 8 anos. Uma batalha em que não faltou tentativa de suicídio de Karl quando este se encontrava sob a custódia do tio cada vez mais possessivo e irascível. “Oh, Deus, meu guardião, minha rocha, meu tudo; vês meu coração e sabes como me deprime fazer mal a outros ao fazer o bem a meu querido Karl”, diria o compositor em seus diários. Para piorar, morreria em 1816 seu amigo e benfeitor príncipe Franz von Lobkowitz, o que fez diminuir em um terço sua renda. E foi nessa batalha contra as adversidades que surgiram a grandiosidade da música de Beethoven e o poder de arrebatar e comover que ela conserva até hoje.

Parte cantada da sinfonia com base nos versos de À Alegria, do poeta Friedrich Schiller:

Baixo
Ó, amigos, não neste tom!
Juntemos nossas vozes de forma prazerosa
E mais alegre! Alegre!

Coro e baixo
Alegria, bela centelha divina,
Filha de Elísio,
Ébrios de fogo entremos,
Celeste, em teu santuário!
Tua magia volta a ligar
O que o costume separou.
Todos os homens se tornarão irmãos
Sob suas ternas asas repousam.

Coro e quarteto vocal
Aqueles que já possuem o tesouro maior
De ser o amigo de um amigo,
Que já conquistou uma mulher amável,
Rejubilem-se com a gente!
Sim, e mesmo aquele
Que conquistou apenas uma alma!
Mas aquele que falhou
Que se afaste desta Aliança!

Coro e quarteto vocal
Todos os seres bebem da Alegria
Nos seios da Natureza
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos dá beijos e vinho
E um amigo leal até a morte.
Aos vermes foi dada a alegria da vida
E o Querubim resta diante de Deus.

Coro e Tenor
Felizes, tal como sóis voadores
Através do plano celeste celestial,
Corram alegremente, irmãos, vossos caminhos,
Tal como o herói diante da vitória.

Ágil transição orquestral em forma fugada

Coro
Alegria, bela centelha divina,
Filha de Elísio,
Ébrios de fogo entremos,
Celeste, em teu santuário!
Tua magia volta a ligar
O que o costume separou.
Todos os homens se tornarão irmãos
Sob suas ternas asas repousarão.

Coro
Abracem-se, ó, milhões!
Projetem este beijo para todo o mundo!
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado.

Coro
Abaixem-se diante dele, ó, milhões?
Percebe seu criador, ó, mundo?
Procure-os acima do Céu estrelado!
Sobre as estrelas deve ele morar.

Coro
Abracem-se, ó, milhões!
Projetem este beijo para todo o mundo!
Procure-o acima do Céu estrelado!
Sobre as estrelas deve ele morar.

Quarteto vocal e coro
Alegria, filha de Elísio,
Tua magia volta a ligar
O que o costume separou.
Todos os homens se tornarão irmãos
Sob tuas ternas asas repousarão.

Coro
Abracem-se, ó, milhões!
Projetem este beijo para todo o mundo!
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado
Alegria, bela centelha divina,
Filha de Elísio.