sexta-feira, 21 de maio de 2010

A aventura de ser livre

Ninguém na música exerceu de modo mais pleno a liberdade do que Claude Debussy. Liberdade para buscar o novo e fugir do velho como o diabo da cruz. Uma liberdade, acima de tudo, guiada pelo prazer da escuta. É isso que torna sua obra uma das mais originais do século 20. Algo esperado para quem, ainda um jovem e desconhecido compositor, anunciava: “Não disponho de precedentes aos quais me remeter e me vejo obrigado a criar formas novas”.

A música do século 20 deve a Debussy a sua libertação das rígidas regras do passado. Foi ele que abriu as portas para novos e desconhecidos universos. A partir dele, elegeu-se o timbre como o parâmetro determinante da criação musical. O timbre é a marca sonora de cada instrumento. As exóticas escalas pentatônicas são diferentes, agradáveis, originais? Por que não utilizá-las? Os desenvolvimentos da forma-sonata são entediantes, chatos, previsíveis? Vamos renunciar a essa e a outras fórmulas calcificadas.

Claude Debussy foi um compositor único em sua época e na história da música. Nascido no início da segunda metade do século 19, tinha tudo para ser um seguidor do romantismo. Teve suas bases musicais fundamentadas nas obras de Liszt e Chopin. Mas, de forma natural, desde o princípio buscou uma linguagem própria. Teve a felicidade de viver em um dos momentos culturalmente mais efervescentes da França. Sua música encontrou ressonâncias nas pinturas de Monet, Degas e Renoir e na literatura de Baudelaire, Mallarmé e Paul Claudel. Sua música marcou toda uma geração de grandes compositores, como De Falla, Albéniz, Satie, Saint-Saëns, Kodaly, Respighi e Poulenc, entre outros. Ela foi tão forte e revolucionária que vemos sua influência no jazz do pianista estadunidense Bill Evans e no tango de Astor Piazzolla.

Debussy não aprovava rótulos como o de “impressionista” para sua música. Tal postura encontrou várias resistências, principalmente no começo de seus estudos. Ele viveu um período em que se lutava pelo rompimento da tonalidade, do academicismo, e se buscava uma música que não fosse analisável. Certa vez, seu mestre Guiraud disse, depois de ouvir um encadeamento de acordes ao piano: “É bonito, não nego, mas é teoricamente absurdo”. Debussy respondeu: “Não há teoria, basta ouvir. O prazer é a regra”.

Em uma época dominada pela obra monumental de Wagner, ele escolheu pequenas formas, como a Suite Bergamasque, na qual temos a genial Clair de Lune. Influenciado pelo simbolismo e por Mallarmé escreveu uma de suas obras mais famosas e revolucionárias, Prélude à L’Après Midi d’un Faune. Utiliza a música modal, assim como a escala de tons inteiros, preocupando-se com o colorido e com o timbre.

Além de um legado de composições como La Mer, Nocturnes e a ópera Pelléas et Mélisande, Debussy deixou inúmeros seguidores, que beberam em sua fonte, transformaram seus idéias e perpetuaram seu gênio.

Apresentado em público em 1894, o Prelúdio para o Entardecer de um Fauno é um dos primeiros marcos da música moderna. Inspirado em poema do seu compatriota Stéphane Mallarmé, Debussy desenvolveu uma obra que desafiou os paradigmas da forma erudita tradicional.

Nas palavras de Debussy, tratava-se de “ilustração muito livre de um poema” de Mallarmé, O Entardecer de um Fauno. A princípio, ele planejou uma obra de três partes; no entanto, só o prelúdio se concretizou. Esse universo de “situações sucessivas pelas quais se movem os desejos e sonhos de um fauno” pedia uma música de formas elásticas. A famosa introdução da flauta, por sua vez, brinca com a dubiedade tonal. Sinuosa, ela flutua para cima e para baixo entre notas adjacentes, deixando pairar por um tempo a dúvida: a música está em tom maior (de sonoridade mais alegre) ou menor (mais melancólica)? Some-se a isso uma orquestração luminosa, sem grandiosidade, que ressalta o som de cada instrumento, e a atmosfera de sonho estava criada.

Mallarmé não gostava que compositores musicassem seus poemas, mas aprovou o Prelúdio, dizendo que ele prolongava a emoção do poema. O público, de um modo geral, recebeu bem a obra. A crítica musical conservadora, no entanto, foi implacável. A languidez da obra foi criticada como falta de forma e de ritmo, e a “escrita anárquica” de Debussy foi duramente condenada. Chegou-se a dizer que suas harmonias eram “incorretas”, quando na verdade ele apostava na sutileza das antigas escalas gregas – de acordo com a influência pagã do simbolismo.

Mas os detratores denunciavam em Debussy, mais do que tudo, o “impressionismo”. O novo movimento das artes plásticas ainda era muito malvisto, e identificaram-se na música do jovem compositor influências do estilo. Para os críticos, aquela música “impura” era construída às pinceladas, sem precisão, privilegiando detalhes em vez do todo. Essa crítica seria, mais tarde, transformada em elogio.

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