sábado, 19 de junho de 2010

“Nosso amor que não esqueço”

No dia do seu aniversário, na noite de 11 de dezembro de 1936, seis meses antes de morrer, Noel de Medeiros Rosa fez o último pedido à dançarina de cabaré Juraci Correia de Araújo – a Ceci -, a grande paixão da sua vida. “Gostaria que passássemos a noite juntos”, disse, apoiado nas garrafas de cerveja sobre uma das mesas do bar Taberna da Glória, no Rio de Janeiro.

A lembrança daquele episódio e a memória do amor do poeta da Vila Isabel pela dançarina seriam eternizadas naquela que é a obra-prima entre as 230 composições deixadas por Noel Rosa nos seus curtos e intensos 26 anos e meio de vida: Último Desejo. Música de melodia simples, mas requintada, e com uma letra notadamente autobiográfica, assim como grande parte dos sambas de Noel, foi um de seus maiores sucessos.

A canção em que Noel cria “música exata para sua própria poesia”, segundo os críticos Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, ficou conhecida na voz de Aracy de Almeida, a grande intérprete do compositor. Foi ela quem primeiro gravou Último Desejo, dois meses depois da morte do Poeta da Vila. Contudo, uma versão foi regravada por Marília Batista, outra cantora assídua dos sambas de Noel. Essa versão continha uma melodia diferente e uma inserção de piano arranjada pelo compositor paulista Osvaldo Gogliano, o Vadico, parceiro de Noel. Uma longa polêmica se estabeleceu entre as cantoras pelo veredicto de quem seria a dona da melhor interpretação. Nunca houve consenso pela crítica.

Os amores e o Rio de Janeiro foram algumas das maiores inspirações para os sambas de Noel, que nunca deixou de lado a crítica social. Cantou muitas vezes a Vila Isabel, bairro onde nasceu e de onde nunca saiu. Descreveu as gírias, a malandragem carioca, os males da modernidade e as desilusões amorosas. Apesar de se casar com a jovem Lindaura em 1934, nunca se esqueceu da dançarina de 16 anos que conheceu no Cabaré Apolo, no bairro carioca da Lapa, e o deixou para ficar com o autor de Ai, que Saudades da Amélia, o compositor Mário Lago. Noel eternizou aquele primeiro encontro com Ceci nos primeiros versos de Último Desejo: “Nosso amor que não esqueço/ E que teve seu começo/ Numa festa de São João/ Morre hoje sem foguete/ Sem retrato e sem bilhete/ Sem luar, sem violão”. E encerrou a composição com sarcasmo: “Às pessoas que eu detesto/ Diga sempre que eu não presto/ Que meu lar é um botequim/ Que eu arruinei sua vida/ Que eu não mereço a comida/ Que você pagou pra mim”.

Noel fez questão de que sua musa Ceci fosse uma das primeiras pessoas a conhecer a letra de Último Desejo. Já debilitado pela tuberculose que o mataria, recebe Vadico, com quem havia dividido a autoria de outros sambas inspirados em seu amor por Ceci, como Pra que Mentir e O Maior Castigo que Eu Te Dou. Cantarolou nota por nota para o amigo, que transcreveu a melodia para a pauta e se comprometeu a fazer um arranjo de piano. “Quero mais um favor seu, Vadico. Gostaria que você desse uma cópia da letra para Ceci”, pediu Noel.

Cumprindo aquele que era o último desejo do amigo, Vadico levou a letra para Ceci no início de uma noite, quando ela começava o expediente em uma boate. “O que é?”, perguntou a dançarina, confusa. “É um samba de Noel”, respondeu Vadico. “É para mim?”, ela perguntou. “Ele pediu que te desse.” Antes de virar as costas, o parceiro de Noel comentou: “Acho que ele te castiga um pouco nesse samba, Ceci”.

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