segunda-feira, 7 de junho de 2010

Entre música e verso

O ano de 1947 representou uma mudança nos rumos da carreira de Dorival Caymmi. Depois de quase 20 anos morando no Rio de Janeiro, o compositor baiano iniciou uma série de composições com temas amorosos urbanos que viriam a exercer grande influência sobre os compositores da bossa nova na década seguinte. Marina foi o primeiro grande sucesso desse período, musicalmente influenciado pelo samba-canção.

Não era um abandono das temáticas clássicas do mar ou da Bahia que tinham caracterizado sua produção. O que se inaugurava ali era uma nova e original vertente de sua obra. A Marina se seguiria outros samba-canção, como Nunca mais, Só Louco e Sábado em Copacabana.

Entre o fim da década de 1940 e o início da de 1950, o samba-canção estabelecia uma hegemonia como gênero romântico no Brasil, substituindo de vez a valsa e o foxtrote. Mas Caymmi sempre se caracterizou por um estilo pessoal que escapa a movimentos e escolas. Diferentemente da maioria dos compositores do período, escreveu letras singelas, lapidou versos fortes em sua simplicidade. O público gostou, e o cantor e compositor entrou com tudo no circuito das casas noturnas.

Marina também quebrou um tabu: foi lançada por mais de um artista no mesmo ano. Aliás, além do próprio autor, por mais três: a beleza da canção conquistou o “rei da voz”, Francisco Alves, Dick Farney e Nelson Gonçalves. Foi a versão de Farney a mais bem-sucedida. Na época, ele ainda vivia nos Estados Unidos, almejando entrar no mercado estadunidense, e era muito influenciado pelas interpretações de Bing Crosby e Frank Sinatra. Sua versão de Marina trocou o violão pelo piano e aproximou o samba-canção do jazz, virando um grande hit da noite carioca. Tanto ele como Caymmi dispensaram a instrumentação grandiosa que era quase obrigatória na época, sendo pioneiros em uma tendência que nos anos seguintes sé se reforçaria.

Luiz Tatit, em O Cancionista: Composição de Canções no Brasil, destaca um traço da obra de Caymmi: a presença de temas musicais simples que se repetem e sofrem pequenas variações ao longo de uma canção. Esse fraseado melódico principal é, em Marina, associado à letra na aliteração “Marina, morena, Marina”. Graças a essa engenhosa associação entre música e verso, a idéia poética é retomada ao longo de toda a música.

Exemplo do refinamento despojado de Dorival Caymmi é o trecho “Não pinte esse rosto que eu gosto/ Que eu gosto e que é só meu”. Aí está, sintetizada, a mensagem da música – a reprimenda por uma atitude contrária à vontade de quem canta, mas delicada, quase infantil, que deixa entrever o afeto que existe.

Uma curiosidade dessa música é que ela não foi inspirada por nenhuma mulher em especial. Tudo começou quando o então pequeno Dori Caymmi, filho do compositor, disse que estava “de mal” com o pai, depois de levar uma bronca. Essa expressão infantil ficou na cabeça de Dorival, que aproveitou também o tom ingênuo da fala na hora de compor o restante da letra.

Ouça, no vídeo abaixo, a canção Marina na voz de Dorival Caymmi:

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