domingo, 6 de junho de 2010

Boêmio e do mundo

“Não há nada de extraordinário quando se tem uma bela idéia. Aplicar-se para fazer dela algo de grande é bem mais difícil. Aí se localiza a arte propriamente dita.” É curioso que o autor da frase, o compositor tcheco Antonín Dvorák, seja conhecido, sobretudo como uma usina de belas melodias, a maioria delas calcadas no riquíssimo folclore de sua região natal, a Boêmia.

Podemos dizer que, desde o barroco até o começo do romantismo, a música ficou praticamente circunscrita a Alemanha, Áustria, Itália, França e Inglaterra. O período romântico foi um momento de liberdade, de buscas pessoais, da exacerbação do individualismo e do despertar desses países culturalmente dominantes para o que acontecia em outros lugares da Europa e do mundo.

A música eslava ganha notoriedade com Antonín Dvorák, que se dedicou à composição desde o início da carreira, embora tenha sido um músico de orquestra. Maravilhosos são seu Stabat Mater e suas Danças Eslavas, obras de características nacionalistas e, ao mesmo tempo, de compreensão universal. Escreveu nove sinfonias, várias óperas, aberturas, concertos para piano e violoncelo. Dedicou-se às raízes musicais de seu país ao escrever Danças Sinfônicas, Eslavas e Suítes.

Sua sinfonia mais famosa, Do Novo Mundo, faz referência à América. Foi composta quando Dvorák aceitou dirigir o Conservatório de Nova York. Nela, notamos, logo de início, toda a nostalgia que o compositor sentia de seu país. É uma obra única e que bem representa o talento desse músico genial. O colorido da orquestração e a grande inspiração melódica são marcas registradas de sua obra e aqui não é diferente.

A exemplo de outros compositores do fim do século 19, Dvorák também foi acusado de abandonar as tradições de sua pátria depois de ter ido morar em outro país, Estados Unidos. O Concerto para Violoncelo em Si Menor, opus 104, é a última obra para orquestra de Dvorák em território americano. À diferença do que fez em trabalhos anteriores, principalmente na Sinfonia Número 2 em Si Bemol, em que buscara inovações, Dvorák ilustrou como uma música pode ser regionalista sem soar bairrista ou piegas.

Justamente após seu lançamento, o Concerto para Violoncelo em Si Menor fez com que o acusado de “americanização” fosse envolvido em uma celeuma promovida pelos críticos: quem era o verdadeiro representante da música erudita tcheca, Dvorák ou Bedrich Smetana? Os dois. Smetana era mais intempestivo, ficou surdo como Beethoven e morreu profundamente perturbado em um manicômio. Dvorák era também autocrítico, porém mais ponderado. Smetana ficou mais conhecido por certa meticulosidade em suas composições, enquanto Dvorák – embora respeitasse padrões formais – era mais um improvisador que se guiava pela inspiração do momento.

Smetana, influenciado por Franz Liszt e Richard Wagner, pode ser considerado o criador de um estilo nacional tcheco. A Dvorák, inspirado pelos alemães Johannes Brahms e Robert Schumann, coube desenvolver o estilo e conquistar prestígio na Europa e nos Estados Unidos. Essa popularidade levou o crítico tcheco Zdenko Nejedly a rechaçar a obra do compositor nascido em Nelahozeves e a chamá-lo de “cosmopolita aburguesado”, inferior ao “verdadeiro eslavo” Smetana.

Em 1879, Dvorák compôs o Concerto para Violino em Lá Bemol, opus 53, instrumento com cuja sonoridade ele estava familiarizado. Já em 1896, com o Concerto para Violoncelo em Si Menor, opus 104, Dvorák consegue atingir o amadurecimento no gênero. A obra, estruturada em três movimentos, carrega tamanha alternância de sentimentos que é como se a melodia, a intensidade e a dinâmica da orquestra seguissem um relevo de morros e depressões. Exemplo disso são a dramaticidade e a força empregadas pelas cordas e pela percussão no primeiro e no terceiro movimentos – e o lirismo carregado de serenidade interpretado pelos sopros no segundo. Embora alguns críticos digam que a obra é mais notável pela melodia do que pela estrutura, o diálogo e o respeito entre solo e orquestra também são precisos.

Esse concerto, uma das obras do gênero mais executadas e conhecidas no mundo, também obteve o reconhecimento de outros compositores românticos. De extrema importância para Dvorák foram os elogios feitos por um inspirador, Brahms: “Por que eu não tinha conhecimento de que alguém poderia escrever um concerto para violoncelo como este? Se seu soubesse, teria escrito algo assim há muito tempo”.

Dvorák não foi um revolucionário formal. O que se percebia era uma personalidade musical baseada no sentimento, na consciente percepção de seu mundo interior e exterior e na capacidade de transformar algo tão próprio de um lugar em algo tocante para ouvintes de qualquer lugar do planeta. Emocione-se com esse grande compositor romântico e nacionalista.



Nenhum comentário:

Postar um comentário