segunda-feira, 26 de abril de 2010

O regente compositor


Gustav Mahler é o Beethoven do século 20. Suas monumentais nove sinfonias constituem um Himalaia musical a ser conquistado por maestros e orquestras sinfônicas do planeta. Músicos põem seu talento à prova ao interpretá-las. E o público encontra nas obras do compositor o que ele almejava ao escrevê-las: “Uma sinfonia deve ser como o mundo. Abranger tudo”. Mahler ocupou um lugar que durante um século e meio, até os anos 1950, foi cativo de um gênio: Beethoven e suas nove sinfonias.

Mas, diferentemente do autor de Sonata ao Luar, que desfrutou de imenso prestígio em vida, Mahler foi um ser humano atormentado. Era uma celebridade internacional, não por causa de sua música, mas, como um maestro talentosíssimo. Tinha fama de “compositor de verão”. Só compunha durante as férias de verão do Hemisfério Norte, entre julho e setembro, no intervalo de suas atribuições como maestro da Ópera e da Filarmônica de Viena. “Sei muito bem que como compositor não terei reconhecimento em vida. Espero esse reconhecimento para mais tarde, quando já estiver morto. É a distância necessária para uma adequada avaliação de um fenômeno como eu”, disse, resignado.

Se atualmente Mahler é respeitado como um dos maiores compositores do final do século 19 e início do 20, ele era visto por seus contemporâneos como um dos mais importantes regentes da história. Com Mahler, a regência adquire uma importância extraordinária. Eram famosos seus duros e longos ensaios. E sua busca pela perfeição interpretativa abriu as portas para a regência no século 20. Tivemos grandes compositores-regentes antes de Mahler, como Mendelssohn, Wagner, Berlioz e Tchaikovsky. Mas nenhum desempenhou ambas as atividades com a mesma qualidade e dedicação. Sem dúvida, a carreira como regente foi fundamental para o sucesso de sua carreira como compositor.

Mahler foi excepcional orquestrador. Usava combinações de instrumentos e timbres ainda não experimentados, obtendo resultados criativos e originais. Suas obras sinfônicas são, na maioria, grandiosas, fazendo uso de um extraordinário número de músicos. Mesmo com toda essa opulência, a sua música era profunda, sombria e, por que não? , funesta. Sua obra nos coloca em contato com o divino, sem nos fazer esquecer de que somos humanos. Ela nos leva a uma jornada de nascimento, crescimento, sofrimento, redenção e elevação. Sua obra é, portanto, uma experiência de vida!

A composição do austríaco que vamos ouvir a seguir, não é a minha favorita, mas é uma belíssima obra também e que vale ser ouvida porque a Sinfonia número 5, inaugura a chamada fase “vienense” de Gustav Mahler. Na época em que foi escrita, o compositor e regente havia restaurado o brilho da Ópera de Viena. Sua linguagem musical também se renovou: em favor da abstração, o programa passou a pesar menos em suas sinfonias. Deixou de lado movimentos com partes vocais e reforçou a coesão estrutural, dando mais harmonia ao conjunto da obra.

A sinfonia foi dividida por Mahler em três partes: a primeira e a última com dois movimentos cada uma, mais um outro entres elas. As primeiras notas do trompete lembram a Marcha Nupcial do alemão Felix Mendelssohn, mas logo a melodia mostra-se triste: é uma marcha fúnebre. Mais adiante, as cordas do registro agudo e os tímpanos reforçam a carga dramática do primeiro movimento. O segundo, agitado, é uma fantasia sobra a marcha e progressivamente diminui a tristeza. O terceiro movimento traz mudanças grandes de dinâmica e foi muito incompreendido na época. Mahler expressou receio de que os regentes da época o interpretassem rápido demais, julgando-o “absurdo”, e desejou que a sinfonia tivesse a primeira audição 50 anos após a sua morte.

O trecho mais conhecido da sinfonia é o adagietto. O movimento ganhou ainda mais projeção como trilha do filme Morte em Veneza, do diretor italiano Luchino Visconti. Sua delicadeza surpreende: a execução fica a cargo das cordas e da harpa apenas. A Sinfonia número 5 termina em clima de marcha alegre e cita ironicamente uma canção que fala de um concurso de canto entre pássaros julgado por um burro. Os “burros” seriam os críticos, que certamente não compreenderiam a composição. O finale grandioso, que retoma o tema final do segundo movimento, é o mais bem-sucedido de Mahler. No entanto, paira a dúvida lançada pelo filósofo alemão Theodor Adorno: seria esse encerramento uma demonstração da habilidade criativa ou uma paródia das formas clássicas, que restringiriam a inventividade?


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