sexta-feira, 23 de abril de 2010

Entr'acte: simplicidade e irreverência

A obra de Erik Satie manteve-se inclassificável e em constante mutação ao longo das décadas. Apesar de ter influenciado músicos franceses das várias correntes musicais modernistas de sua época, o excêntrico compositor ficou à parte de todas elas. O estilo de Satie alcançou o ponto máximo de clareza e despojamento em Entr'acte, sua última criação.

Em 1924, as vanguardas mediam forças em Paris. O pintor e poeta Francis Picabia, depois de ter abandonado o dadaísmo, queria provocar os surrealistas. Ciente da irreverência de Erik Satie, convidou-o para compor a trilha para o balé Relâche. A ironia começava pelo título: "relâche" era o aviso colocado na porta dos cinemas quando as sessões eram suspensas. Os Ballets Suédois apresentariam a coreografia em dois atos; no intervalo, seria exibido o filme Entreato Cinematográfico, de René Clair, também com a música de Satie. Eram obras dadaístas em sua essência, mas desvinculadas do movimento.

A estréia foi tumultuada - como seu idealizador desejava. O cenário trazia inscrições provocativas como "Se você não gostar disso, o caixa lhe venderá um apito por dois centavos". No filme de René Clair, Satie e Picabia faziam figuração brincando com um canhão apontado para os espectadores. Como não havia sonorização na época, a trilha do filme foi executada ao vivo. Sua simplicidade era extrema: uma sucessão de trechos repetitivos, quase mecânicos, juntados sem nenhuma cadência. Apenas um tema principal retornava ocasionalmente: ainda assim, a melodia era totalmente secundária em relação ao ritmo e à harmonia. A ironia de Satie aparecia em trechos como o do funeral em câmera lenta: nada mais apropriado que uma paródia da Marcha Fúnebre do polonês Frédéric Chopin. Sua escrita para piano, muito rítmica, revelava a influência da música de dance-hall e da vida urbana moderna.

No entanto, nem sempre o estilo de Satie havia sido assim. Em Gymnopédies, um de seus primeiros trabalhos, a melodia espalhava-se vagarosamente sobre acordes alterados - uma influência decisiva para o conterrâneo Claude Debussy. Até a década de 1910, ambos mantiveram muito contato, embora apenas Debussy tivesse alcançado a fama. Nessa época, o também francês Maurice Ravel resgatou as obras iniciais de Satie nos recitais da Sociedade Musical Independente, tornando-o mais conhecido.

A notoriedade viria com o balé Parade, em 1917. Para o espetáculo do artista Jean Cocteau, com cenário do espanhol Pablo Picasso e coreografia do russo Léonide Massine, criou uma trilha ruidosa e fragmentada. O escândalo foi comparável ao da apresentação de A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, três anos antes. Nessa época, Satie se tornou um crítico dos seguidores de Debussy. Juntou-se a uma nova geração de compositores que viria a ser conhecida como "Os Seis". Com um deles, Darius Milhaud, criou em 1920 o gênero "música de mobiliário", que não se prestava para ser apreciada, mas estar presente como fundo musical.
Veja, no vídeo abaixo, um trecho do filme Entr'acte e a trilha de Erik Satie:

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