domingo, 25 de abril de 2010

Monteverdi, revolucionário do drama musical


Na mitologia grega, Orfeu é um músico que, com sua lira, consegue domar os guardiães do reino dos mortos para resgatar sua amada, Eurídice. Nada mais sintomático, assim, que a grande ópera da história tenha o personagem como protagonista. Orfeu, do italiano Claudio Monteverdi, não foi exatamente a primeira ópera escrita – a honra cabe a Dafne, hoje perdida, do também italiano Jacopo Peri, autor ainda de uma Eurídice, normalmente tida como a mais antiga ópera cuja partitura se conservou. Como muitas do período, ela reflete as especulações intelectuais do grupo de pensadores conhecido como Camerata Florentina, que buscavam recriar a unidade entre música e poesia que imaginavam existir no teatro grego antigo. Por isso, não passa hoje de curiosidade musicológica.

Até a criação da Camerata, predominava a música polifônica, em que diversas linhas melódicas se sobrepõem. Peri, Giulio Caccini e outros autores italianos do período (como Vincenzo Galilei, pai do astrônomo Galileu Galilei) começaram as primeiras experiências de monodia – ou seja, uma escrita que tivesse uma linha melódica principal, com acompanhamento. Esses experimentos com a monodia conduziram à invenção do recitativo, um estilo de escrita para voz que procura seguir os ritmos, acentuações e contornos naturais da fala. A música deveria servir para sublinhar e enfatizar as intenções do texto.

No livro O Diálogo Musical, o maestro Nikolaus Harnoncourt explica que em Orfeu, como nas outras óperas daquela época, a poesia ocupava o primeiro plano. Só que a música também foi empregada em modo pleno, com toda a sua riqueza formal – e aí está o segredo para a criação de Monteverdi, estreada em 1607, continuar sendo encenada com regularidade em teatros de todo o planeta até hoje.

Orfeu tem uma linguagem musical eclética, mesclando elementos do novo estilo monódico barroco (a seconda prattica) e do antigo estilo polifônico renascentista (a prima prattica), como os madrigais (obras vocais sobre textos seculares, normalmente a cinco vozes) e as danças. E mais: além de combinar a música do passado e a do presente, a ópera apontava para o futuro. Conforme explica Harnoncourt em seu livro, em Orfeu “já se encontram anunciadas ou pressentidas inúmeras técnicas que surgiram na ópera durante os séculos seguintes”, como a ária, a canção estrófica, o motivo condutor (ou leitmotiv) e uma instrumentação inspirada pelo drama.

Pois é em Orfeu que aparece a primeira orquestra autêntica, com 40 instrumentos para acompanhar o canto e caracterizar musicalmente os personagens e cenários onde a ação se desenrola. Com libreto de Alessandro Striggio, Monteverdi separa os dois mundos presentes na ópera – o dos pastores, sol e alegria, e o dos infernos sombrios – pelos andamentos e timbres.

Duas edições de Orfeu foram impressas com a autorização de Claudio Monteverdi – em 1609 e 1615 – e dedicadas ao príncipe Francesco Gonzaga, para cujo pai o compositor trabalhava em Mântua, em uma corte que também empregava os serviços do pintor flamengo Peter Paul Rubens. O fato demonstra o grande sucesso da ópera, cuja duração é de uma hora e meia – os madrigais da ópera duravam, no máximo, cinco minutos. Das 15 óperas escritas por Monteverdi, restaram apenas três: Orfeu, O Retorno de Ulisses à Pátria e A Coroação de Popéia, mais um fragmento de Arianna. As demais se perderam.

Ouça, no vídeo abaixo, um trecho da ópera Orfeu:

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