“Chamo este de o Brahms de meus vinhos”, anunciou o anfitrião de um jantar em torno de Johannes Brahms, brandindo o melhor rótulo de sua adega em homenagem ao compositor: “Então”, disse o próprio, “vamos ver se encontramos uma garrafa de Bach.” Essa é uma das muitas tiradas que revelam não apenas o bom humor mas também como ajudam a compreender melhor o último dos geniais Bs da música alemã – ao lado Bach e Beethoven.
Pergunte a um músico de orquestra o seu compositor favorito e ele provavelmente responderá Johannes Brahms. Sua escrita orquestral é tão prefeita que transforma cada músico da orquestra – o spalla ou a quarta trompa, tanto faz – em um solista.
A música de Brahms, seja ela sinfônica, de câmara ou para piano solo, tem um espírito quase religioso, mas que por vezes se rompe, revelando sua juventude como pianista nas tabernas de Hamburgo, na Alemanha. Ele soa extremamente natural aos nossos ouvidos e, ao mesmo tempo, imprevisível. Nunca nos dá o óbvio. Oferece um discurso inteligente e sofisticado, de emoções profundas e verdadeiras.
O relacionamento com o casal Schumann, Robert e Clara, foi fundamental para sua ascensão como compositor. Para eles, Brahms era um gênio. Robert imediatamente recomendou várias obras do jovem compositor aos seus editores. A reverência e devoção de Brahms ao compositor são evidentes em sua obra. Tanto que usou como tema inicial de sua terceira sinfonia uma frase da terceira sinfonia de Schumann, chamada Renana.
Em 1876, quase meio século se havia passado desde a morte de Beethoven, em 1827, sem que houvesse surgido uma sinfonia que fosse considerada à altura das nove feitas pelo compositor alemão. Não que autores como o austríaco Franz Schubert, o húngaro Franz Liszt e o também alemão Robert Schumann (esperamos apresentá-lo em outra oportunidade no blog) não tivessem feito sinfonias brilhantes. Mas nenhuma delas sugeriu, como a primeira que Brahms compôs, uma continuação inovadora dos traços sinfônicos marcantes apresentados por Beethoven.
A Sinfonia número 1 é uma obra-prima do período romântico. Carregada de sentimentos exacerbados que oscilam entre a tristeza e a alegria, é considerada a obra trágica, patética, do autor. Na época da composição, Brahms, que já era conceituado na Alemanha como mestre nos quartetos de cordas (formação com dois violinos, uma viola e um violoncelo) e em obras corais (composições para grupo de vozes, como réquiem e cantata), carregava uma enorme responsabilidade. Sabia que ainda faltava conquistar o reconhecimento como grande compositor de sinfonias. Até então, Brahms vivia à sombra das constantes comparações com Beethoven, e a expectativa para seu début sinfônico era enorme.
Diante de tamanha pressão, a primeira sinfonia precisou de 15 anos para ser composta. Somente o movimento inicial levou quase metade do tempo e teve de passar pela aprovação da mulher de Robert Schumann – a exímia pianista Clara Schumann, por quem Brahms se apaixonou. A Sinfonia número 1 estreou no dia 4 de novembro de 1876, em Karlsruhe. Os aplausos da platéia foram comedidos, e a crítica reagiu com moderação. Nas apresentações seguintes, nas cidades alemãs de Mannheim, Bonn e Leipzig, a acolhida melhorou, e a obra começou a ganhar notoriedade.
Hans von Bülow, regente e amigo de Brahms, apelidou carinhosamente a sinfonia de a “Décima de Beethoven”, contrariando outro compositor alemão célebre, Richard Wagner, que havia afirmado que, com a Nona de Beethoven, a criação sinfônica atingiria seu ponto mais alto. A observação fora pertinente, mas o auge do gênero instrumental não poderia ser confundido com seu fim. Apesar de não romper com os dogmas sinfônicos formais e utilizar quatro movimentos, a composição de Brahms representava um contraprojeto aos modelos clássicos. E provou que o alemão era um compositor sinfônico completo, que sabia explorar a orquestra inteira trabalhando os recursos polifônicos com habilidade.
Na sinfonia, Brahms extrapola com perfeição uma forma que muitos autores anteriores utilizaram ao compor. Apresenta o início do primeiro movimento em tom menor – carregado de tristezas, dramas e tensões – e encaminha naturalmente para o finale majestoso, de forma triunfante. Na parte final, o ouvinte atento não tem dificuldades em reconhecer a semelhança com o tema da Ode à Alegria, da Nona de Beethoven. A comparação, entretanto, não agradava a Brahms, que a considerava coisa de “burros”.
Consagrado agora também no estilo sinfônico, o compositor alemão deu início a um período criativo a partir de 1877. Sua segunda sinfonia, em ré maior, demorou apenas três meses para ser concluída. Outras duas se seguiram nos oito anos seguintes. Foi a época, também, em que Brahms compôs as obras que o popularizariam na história da música e o distanciariam do estigma de sucessor de Beethoven. Como ele mesmo costumava dizer, somente “asnos” o tomariam como um “segundo Beethoven”
É bem verdade que a música de Brahms tem uma preocupação formal clássica. No entanto, ele é em essência um compositor visceral, lírico, direto e de grande expressividade romântica. Você, caro leitor, pode reafirmar essa nossa opinião sobre Brahms no vídeo abaixo onde pode-se escutar um trecho da grande Sinfonia número 1:
Nenhum comentário:
Postar um comentário