quarta-feira, 26 de maio de 2010

Entre dois mundos

A música do século 20 começou com Richard Strauss. Foi ele quem rompeu diques, desafiou preconceitos e abriu portas para o exercício criativo totalmente livre, condição de que hoje desfrutam os compositores contemporâneos.

Richard Strauss começou a estudar música cedo graças ao pai, que era primeiro trompista da Orquestra da Ópera de Munique, na Alemanha. O garoto logo mostrou talento como intérprete e também como compositor. Até os 20 anos, suas maiores influências foram Mozart, Brahms e Berlioz. Mas, depois de conhecer o violinista Alexander Ritter, um defensor do drama de Wagner e dos poemas sinfônicos de Liszt, sua escrita sofreu uma grande transformação. A dupla se encontrou na Orquestra de Meiningen, onde Strauss era assistente do maestro Hans von Büllow, e Ritter, o spalla.

Strauss foi um dos mais importantes regentes de sua época – ele se tornou titular em Meiningen e foi diretor musical das Óperas de Weimar, Berlim e Viena. Suas interpretações são documentos históricos para estudiosos e amantes da música. Sua atuação abrange os séculos 19 e 20, trazendo influências do período romântico, principalmente de regentes como Hans von Büllow, Hermann Levi e Arthur Nikisch, e do início do século. Felizmente, graças ao advento da gravação, podemos hoje ouvir suas interpretações.

Seus gestos eram comedidos. Sua postura frente à orquestra era classificada por alguns como fria, mas não a sua música. Ela é viva, com uma orquestração brilhante, ousada, moderna. Suas obras são cheias de influências teatrais. Não por acaso, acabou eternizado por suas óperas e seus poemas sinfônicos, que sempre encantam as platéias.

Richard Strauss revolucionou a música sem ser um revolucionário. Levou o romantismo ao limite e foi essencial, ao lado de outros grandes regentes e compositores da época, na formação das bases da regência moderna.

O mais conhecido poema sinfônico de Strauss representa uma das vertentes pós-românticas da virada do século 19 para o 20. Ainda que de modo distinto, a obra do compositor definiu, com a do austríaco Gustav Mahler, novos caminhos para uma tradição sinfônica germânica à beira do colapso.

Para os críticos, Assim Falou Zaratustra apela para o bombástico ou para o banal. Os apreciadores, no entanto, compreenderam a renovação por trás da grandiloqüência da obra. Admirador do compatriota, Richard Wagner, Strauss mostra aqui, pela primeira vez, sua predileção por grandes contingentes orquestrais e pelo impacto sonoro. Sua experiência como regente e o pleno desenvolvimento da orquestra sinfônica na época possibilitaram o aumento da expressividade das obras eruditas. Graças ao aprimoramento dos instrumentos de pistão, como as trompas e os trompetes, Assim Falou Zaratustra consegue aliar força e requinte nas partes mais grandiosas.

Assim Falou Zaratustra, obra baseada no livro homônimo de Friedrich Nietzsche, segue o desenvolvimento do livro, ilustrando a trajetória evolutiva do ancestral para o homem e deste para o super-homem. Conceitos e temas como a aspiração suprema, o papel da ciência e o andarilho noturno dão nome às partes da obra. A potência e o heroísmo dessa trajetória aparecem na introdução imponente. O tema apresentado no início tornou-se conhecido do grande público ao acompanhar magistralmente a cena de abertura do filme 2001 – Uma Odisséia no Espaço, do cineasta Stanley Kubrick. Graças a essa projeção, a composição, que na sua época contou com a ajuda da obra de Nietzsche para se popularizar, agora é mais familiar do que o livro do filósofo alemão.

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