Com uma ousadia que entrava em choque com o gosto clássico das cortes européias, A Flauta Mágica foi um sucesso estrondoso: naquele ano de 1791, a ópera foi levada mais de 50 vezes ao palco em menos de três meses.
O compositor italiano Antonio Salieri, injustamente apresentado como assassino de Mozart no filme Amadeus, “adorou não só a música como o libreto e tudo o mais”, escreveu o autor da Flauta Mágica em uma de suas últimas cartas. “Ouviu com a maior atenção da abertura até o final, e não houve um só trecho que não lhe arrancasse um bravo ou um bello!”.
Quando a ópera foi a Frankfurt, Catharina Elisabeth Textor, mãe do poeta Goethe, escreveu: “Nenhum homem admitiria que não assistiu. Todos os artesãos, jardineiros e até os camponeses, cujos filhos fazem os papéis de macacos e leões, vão lá assistir. Nunca houve um espetáculo assim aqui antes!”.
O que pode parecer vulgar foi, na verdade, uma das maiores revoluções na história da música. Pela primeira vez, a música erudita desceu do topo da hierarquia social e abandonou as amarras das convenções da corte ou do altar para tornar-se algo ao mesmo tempo sofisticado e popular, composto tanto para o príncipe quanto para seu criado.
Mesmo hoje, sua música parece ter esse apelo mais amplo. Em 1975, o cineasta Ingmar Bergman produziu uma encantadora filmagem da ópera, cantada em sueco. Na década de 1990, o contratenor pop Edson Cordeiro difundiu no Brasil a ária da Rainha da Noite, levando à televisão com seus agudos o espanto que a soprano Josefa Hofer deve ter causado na platéia rude do Theater auf der Wieden. Cordeiro chegou até a fazer um dueto sexualmente invertido em videoclipe com a roqueira Cássia Eller – ele com Mozart, ela com Rolling Stones. Está na capacidade de criar melodias simples, mas fortes, tal como as das canções folclóricas, uma das chaves desse sucesso.
Ambos maçons, Mozart e Schikaneder se conheceram quando o ator passou por Salzburgo com seu grupo teatral. A maçonaria, condenada desde 1738 por uma bula papal e proibida pela arquiduquesa austríaca Maria Theresa, nunca havia gerado uma peça significativa. A relação da Áustria com a organização sempre fora ambígua – católica, mas iluminista, fazia-lhe vistas grossas. No entanto, a repressão começara a aumentar em relação à Revolução Francesa, com a vigilância e o cerco patrocinados pelo imperador Leopoldo. Com o fechamento de lojas maçônicas, Schikaneder encontrou a oportunidade de explorar cenicamente os ritos proibidos, fazendo da Flauta Mágica uma apologia da sociedade secreta.
Ouça, no vídeo abaixo, a famosa ària da Rainha da Noite, trecho da ópera A Flauta Mágica:
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