domingo, 16 de maio de 2010

Tchaikovsky: O Quebra-Nozes

O escritor alemão Ernst Theodor Amadeus Hoffmann, escreveu esta história sobre um tema popular conhecido, que intitulou de O Quebra-Nozes de Nüremberg. É uma história em que a magia e a fantasia, típicas do romantismo, contam as aventuras de um quebra-nozes de aspecto humano, vestido de soldado, mas que tem as pernas e a cabeça de tamanho desmesurado. A heroína, Clara, gostava tanto do seu aspecto que o pediu como presente a seu padrinho. “Era precisamente para ti”, disse Herr Dosselmeyer, o padrinho, fabricante de relógios, que tinha um pouco de mago. Clara experimenta-o e vê que ele parte as nozes sem nunca perder o sorriso e com uma grande eficácia. Seu irmão Fritz, que tinha visto como o Quebra-Nozes trabalhava, também o quis experimentar, mas escolhe as nozes maiores que havia no cesto. O resultado foi que, utilizado com brutalidade, o Quebra-Nozes perdeu vários dentes e ficou com as mandíbulas quase desencaixadas. Diante dos protestos de Clara, intervém o pai, o juiz Stahlbaun, que o entrega à filha como propriedade exclusiva, tendo Fritz de retirar-se para ir brincar com sua coleção de hussardos. Clara apanha os dentes do pobre Quebra-Nozes que caíram ao chão e consola-o, embalando-o em seus braços até ele adormecer, e acaba também ela por dormir. Então sonha.

Regressa ao esconderijo onde tinha deixado seu boneco, mas encontra o salão cheio de ratazanas enormes que o padrinho Dosselmeyer criou. A casa também desapareceu, e no lugar dos móveis crescem árvores enormes. Clara vê o Quebra-Nozes, que se converteu num soldado de carne e osso, todo enfeitado, e que tem às suas ordens um pelotão de soldados como ele. Inicia-se uma batalha entre as ratazanas e o pelotão dirigido pelo Quebra-Nozes. Lançando enormes sapatos às ratazanas, os soldados conseguem ganhar a batalha, fazendo o rei delas bater em retirada, seguido de suas hostes. O bosque transforma-se então numa formosa estufa de inverno. O Quebra-Nozes converte-se em príncipe e leva Clara até o Reino das Neves, onde a apresenta ao rei e à rainha das neves e dançam juntos.

No segundo ato, Clara e o príncipe Quebra-Nozes despedem-se e vão para o Reino dos Doces pelo Caminho da Limonada, onde pastéis de todos os reinos do mundo dançam com eles. Quando Clara acorda e percebe que sonhou, fica triste e vai despedir-se do padrinho mago, que tinha ido para casa na companhia do sobrinho e... oh, que maravilha!, vê que o tal sobrinho é o príncipe Quebra-Nozes.

É bom conhecer a história antes de ouvir a música do balé. Senão, como compreender o que Tchaikovsky nos quer contar na sua música? É claro que o compositor não seguiu à risca o argumento. Ilustrou apenas as passagens que lhe interessavam e inventou outras, mas é bom conhecer a essência da história. O músico dividiu o balé em doze quadros.

A “Abertura” começa com o tempo vivo e dançante que as cordas expõem, a que os diversos instrumentos da família das madeiras respondem com escalas descendentes. Segue-se um segundo tema, que se desenvolve em crescendo, e as cordas cantam, repetindo o primeiro tema. Inicia-se depois um pequeno desenvolvimento, quase todo exposto pelas flautas, clarinetes e trompas, e o primeiro tema repete-se com formas diferentes de orquestração, até chegar a um final. A “Marcha”, que vem em segundo lugar, é exposta por instrumentos da família dos metais (trompetes, trombones e tuba), em um toque que se repete diversas vezes, a que se segue um episódio muito rápido, antes de se repetir o primeiro toque como no início.

O episódio seguinte, em ritmo de valsa, é uma das peças mais interessantes do balé. É uma descrição de um café árabe, no qual as bailarinas fazem companhia aos pacíficos clientes. Executado em grande parte pelos instrumentos de corda em surdina, tem um ar tipicamente oriental e sonhador. O mesmo ocorre com a peça seguinte, em que Tchaikovsky também inventa um episódio chinês, na mesma veia oriental, utilizando melodias inspiradas e uma orquestração de grande beleza. A esses três episódios segue-se, ainda no mesmo espírito fantástico, um baile russo vertiginoso, um “Trepak” de força rítmica extraordinária.

Não sei se o nome do episódio seguinte, “Os mirlitões”, refere-se ao semblante e à altivez dos personagens que dançam na peça ou às flautas a que os franceses dão o nome de mirlitons, construídas com canas e papel de seda como membranas. É um tema trazido, como é lógico, pelas flautas, mas acompanha-as também um doce e melancólico oboé, e, no segundo tema, trompetes que abrem de novo caminho ao tema das flautas.

O episódio da “Mãe Cegonha e os Polichinelos” é também uma alegre marcha que se converte em seguida numa valsa movimentada, regressando no fim à marcha inicial. O episódio que se segue passa-se no País dos Doces e é um dos melhores de toda a obra, principalmente devido à audácia da orquestração, que exibe o tema trazido pela celesta e pelas intervenções do clarinete, do fagote e da flauta, para terminar numa bela coda com um colorido de timbre muito interessante.

A chamada “Valsa das Flores”, com abundantes escalas e acordes de harpa na estrada, é uma das obras mais conhecidas do compositor. As trompas expõem o tema, e a orquestra inicia a dança, fazendo belos desenhos que respondem a cada uma das intervenções das trompas, que se repetem várias vezes. Há que destacar a bela entrada do oboé na dança a dois, que é um dos episódios da valsa, e as várias intervenções dos diversos instrumentos de madeira, antes que a valsa regresse, para terminar triunfantemente a obra.



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