Como pode a obra de um compositor ser tão conhecida e influente em seu tempo e depois cair no esquecimento, adormecida nas bibliotecas de monastérios europeus por mais de dois séculos? E como explicar o ressurgimento dessa obra com força total a partir do século 20? Uma força capaz de emocionar platéias em todos os quadrantes e torná-la tão ou mais popular do que em seu tempo. Esse fenômeno é uma das marcas da produção do italiano Antonio Lucio Vivaldi.
Nascido em Veneza, Itália, Vivaldi saboreou as glórias da fama em sua vida, influenciou aquele que é considerado o maior compositor de todos os tempos, Johann Sebastian Bach, e impôs a fórmula do concerto solista, com cerca de 600 concertos que estabeleceram um novo gênero na música instrumental. E ele não foi apenas o principal compositor de música instrumental de seu tempo como também um dos mais profícuos. Sua produção contabiliza 748 obras. Vivaldi também escreveu várias dezenas de óperas, atuou como empresário em montagens líricas de suas criações e ainda encontrou tempo para compor música sacra em abundância – e da melhor qualidade.
Mas, quando morreu, em 28 de julho de 1741, já estava esquecido. Abandonou pela última vez sua querida Veneza para tentar a sorte em Viena. A cidade lhe foi madrasta. Morreu sem um vintém e foi enterrado numa vala jamais localizada.
Antonio Vivaldi foi um gênio que teve o enorme privilégio de viver cercado das mais belas, fascinantes e inteligentes demonstrações da criatividade humana. A arquitetura, a literatura, as artes visuais e todas as manifestações artísticas de seu tempo seriam suficientes para inspirar e inebriar qualquer pessoa, ainda mais um talento e uma mente criativa como a de Vivaldi.
O caráter de sua música poderia muito bem ser extraído da raiz de seu nome. Vivaldi: viva, vida, vivacidade, vivace. Ela é enérgica, contundente, dramática, alegre e, de certa forma, minimalista. Vivaldi foi um dos primeiros a fazer uso de contínuas repetições de um mesmo tema, ou fragmento de tema, como técnica de composição, uma escola que ganhou enorme força somente a partir da segunda metade do século 20, com compositores como Philip Glass, Steve Reich e John Adams.
Sua música é deliciosamente prática, clara e objetiva, fácil de ser assimilada tanto pelo intérprete como pelo ouvinte. Vivaldi também foi um dos primeiros a compor para praticamente todos os instrumentos existentes em sua época.
Um concerto programado para cada estação do ano. A representação sazonal em música e poesia escritas por Vivaldi faz de As Quatro Estações uma das obras mais conhecidas do compositor veneziano. Com melodias cativantes, que grudam no ouvido à primeira audição, a inovação de concerto descritivo, com sonetos feitos pelo próprio Vivaldi para cada uma das estações do ano e publicados na partitura original, indica exatamente o que o compositor deseja transmitir a cada compasso.
As Quatro Estações integram um conjunto de 12 concertos intitulados Diálogo entre a Harmonia e a Invenção, Opus 8, escritos em 1720. A inovação desses concertos estava na tentativa de expressar, em forma de música, os fenômenos da natureza – o que faz dele uma espécie de precursor da música descritiva que entraria em voga durante o romantismo, no século 19, com os poemas sinfônicos de Franz Liszt e Richard Strauss (próximos compositores a serem apresentados na Oficina da Radiola).
As Quatro Estações auxiliaram a estabelecer a estrutura moderna para a forma concerto. Cada uma das peças é estruturada em três movimentos: rápido-lento-rápido. A Primavera é o primeiro da série. Isso porque no hemisfério norte o ano começa no inverno e a primeira estação completa é a primavera. No segundo concerto, o Verão, é possível ouvir a tempestade anunciada no último movimento. O terceiro é o Outono, em que Vivaldi descreve uma cena de caça. Por fim, o Inverno traz as notas em staccato (execução das notas musicais com suspensões entre uma e outra, ou seja, separadas) para representar a chuva gelada da estação.
Graças à extrema popularidade que conquistaram nos últimos 300 anos, As Quatro Estações estão não somente entre as músicas mais conhecidas mas também entre as sonoridades mais reconhecidas pelo ouvido humano, logo depois dos sons da natureza. Sua escrita utiliza escalas e arpejos abundantemente, exigindo dos músicos extremo controle e mantendo-os sempre em sua melhor forma. A composição escolhida de Vivaldi para mostrarmos à vocês, leitores, claro, será As Quatro Estações, mais precisamente o Allegro (primeiro movimento rápido) da Primavera:
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