Por definição, um músico virtuose é aquele que atingiu o domínio completo da técnica de seu instrumento. Seria simples se a música fosse apenas isso, não importando a originalidade, o sentimento e a inspiração do instrumentista e do compositor. Assim, pode-se dizer que o húngaro Franz Liszt foi um “virtuose com alma” por ter conseguido, em sua obra, o equilíbrio entre o preciosismo da razão e a expressividade da emoção.
Franz Liszt foi um artista singular. Seu talento como pianista e sua extraordinária capacidade como compositor lhe deram uma aura especial, única. A imagem do virtuose fenomenal que destruía o piano, transfigurando tudo que tocava, e a fama como gênio dos teclados eram tão grandes que sua música ficou por muito tempo ofuscada por seu próprio brilho.
Como compositor, Liszt foi um dos mais destacados e representativos da chamada nova escola alemã. Húngaro de nascença, não falava a língua de sua terra natal. Deixou um grande e diverso trabalho, que influenciaria seus futuros contemporâneos e anteciparia algumas idéias e tendências da música do século 20. Dentre algumas de suas mais notáveis contribuições, está a criação do poema sinfônico, o desenvolvimento da técnica pianística e as invenções harmônicas de grande ousadia.
Liszt tinha também outros predicados. Foi um notável professor de piano, um regente que contribuiu significativamente para o desenvolvimento moderno dessa arte e um benfeitor de outros compositores e intérpretes, entre eles Wagner, Berlioz, Saint-Saëns e Grieg. Seu caráter era de uma nobre generosidade, embora nem sempre tenha recebido o mesmo tratamento por parte de seus eleitos.
A música de Liszt é como o próprio autor: variada, rica, mutável e de difícil classificação. Ele deixou mais de 700 obras com as mais variadas formas e linguagens. Foi romântico, moderno, nacionalista, impressionista. E esse é o ponto a que devemos nos ater em sua música, posto que, de maneira consciente, ele renegou a tradição, subvertendo a tonalidade, a harmonia e a forma, revolucionando a técnica instrumental.
Em 1853, quando finalizou a Sonata em Si Menor, um ano depois de ter esboçado o início dessa obra para piano, Liszt conseguiu apresentar seu amadurecimento ao combinar o virtuosismo que absorvera de suas principais influencias: a técnica apurada e a originalidade do violino do italiano Niccolò Paganini, a expressão sentimental da dinâmica típica do romantismo do francês Hector Berlioz e a sobriedade da introspecção e da poética do polonês Frédéric Chopin.
Hoje considerada obra-prima para o piano, a Sonata em Si Menor foi rejeitada por público e crítica quando lançada em Berlim por Hans von Bülow, ex-aluno e genro de Liszt. Os críticos a classificaram como “um convite à vaia e ao bater de pés”. A repulsa talvez possa ser justificada pelo fato de a obra surpreender por não seguir o padrão de sonata estabelecido e canonizado por Beethoven. Ao explorar os efeitos do piano, conduzido por um único tema, Liszt quebrara os preceitos estabelecidos para jogar com variações drásticas em vez de seguir o desenvolvimento lógico e provável das sonatas clássicas – nesse caso, gênero de três ou quatro movimentos com exposição, desenvolvimento e recapitulação do tema.
Liszt traduziu a variação sentimental – movimento pendular entre a alegria e a tristeza, a vida e a morte, típica do período romântico – apenas com o piano, algo que muitos de seus contemporâneos realizavam ao compor para orquestras inteiras. Na Sonata em Si Menor, a oscilação da intensidade sentimental é representada pelo piano ora etéreo como uma flauta, ora pesado e dramático como trombones, tubas e tímpanos.
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