quarta-feira, 23 de junho de 2010

O mago dos timbres

“Acabamos de ouvir Scheherazade, obra de Rimsky, orquestrada por Korsakov.” (ri de mais quando li isso). Foi assim que um locutor estadunidense apresentou ao público, há poucos anos, uma das peças orquestrais mais conhecidas do repertório clássico. Pela confusão, ele não era do ramo. Porque Nikolai Rimsky-Korsakov está longe de ser um desconhecido na música erudita. Ele foi um dos grandes compositores russos do século 19, um cultuado mestre da orquestração que escreveu um tratado sobre o tema, leitura obrigatória até hoje nas melhores escolas de música. Professor de Igor Stravinsky, compôs 11 obras sinfônicas e 15 óperas que estabeleceram a linguagem russa na música clássica ocidental. Korsakov é unanimidade entre críticos e pesquisadores, que aplaudem sua imaginativa escrita orquestral, capaz de capturar espanholismos, orientalismos e demais sons exóticos que davam as caras no final do século 19.

Se Tchaikovsky foi o responsável pela internacionalização da música russa, Rimsky-Korsakov foi fundamental na solidificação e renovação dessa escola. Filho de aristocratas, iniciou seus estudos de piano aos 6 anos e, aos 9, já apresentava suas primeiras peças. Apesar de ter demonstrado grande aptidão pela música, ele acabou ingressando no Colégio Naval Imperial russo e, depois, na Marinha russa, mas nunca perdeu o desejo de aprofundar seus estudos musicais. Aos 17 anos, procurou o compositor e grande entusiasta do movimento nacionalista, Mily Balakirev, fundador do Grupo dos Cinco (já mencionado em postagens anteriores), do qual também fizeram parte César Cui, Modest Mussorgsky e Alexandre Borodin.

Dez anos mais tarde, Korsakov era nomeado professor de composição e orquestração do Conservatório de São Petersburgo. Sua vocação para o ensino da composição era natural. Por anos, ele foi responsável pela revisão de obras de seus colegas compositores. Seu conhecimento de orquestração era tão rico que até hoje, nessa arte, ele é comparado a Berlioz e Ravel. Durante seus mais de 30 anos de academicismo, foi professor de personalidades como Glazunov, Prokofiev, Stravinsky e Respighi. Como regente, levou sua música e a de seus conterrâneos para toda a Europa.

Rimsky-Korsakov acabou imortalizado por suas criações sinfônicas. Scheherazade, Capricho Espanhol e A Grande Páscoa Russa, são obras em que podemos perceber o exotismo de suas harmonias, a inventividade de suas melodias e, principalmente, a delicadeza, o detalhismo e a originalidade de sua orquestração.

Scheherazade

Depois de ter sido traído por uma mulher, o sultão Sharyar adquiriu o hábito de vingar-se de todas as outras, ao casar-se com uma a cada noite e executá-la na manhã seguinte. Isso até conhecer Scheherazade, que tramou contar uma história envolvente ao sultão a cada noite, instigando sua curiosidade para que a seqüência fosse revelada no dia seguinte, o que lhe permitiu viver. Após três filhos e mil e uma noites, Scheherazade foi salva por sua astúcia e reconhecida pelo sultão.

Influenciado pela trama do Livro das Mil e Uma Noites, Rimsky-Korsakov deixa que sua suíte sinfônica Scheherazade conte a história. O sultão é representado por uma pesada melodia de metais, enquanto a protagonista, Scheherazade, se traduz em um sedutor violino solo. Nos quatro movimentos da obra, as combinações entre madeiras, metais, cordas e percussão mesclam elementos orientais às orquestrações brilhantes e sensoriais de Rimsky-Korsakov, que inovou ao associar cores às tonalidades musicais. As imagens do marujo Simbad, do príncipe Kalender e da festa em Bagdá fazem de Scheherazade uma obra visual.

Vamos aos movimentos de Scheherazade:

Primeiro Movimento: O mar e o navio de Simbad
A música começa com Korsakov apresentando o sultão e Scheherazade. Ele, nos metais em uníssono fortíssimo; ela, um delicado violino solo pontuado pela harpa, enunciando a melodia oriental que perpassará toda a suíte.

Segundo Movimento: A história do Príncipe Kalender
Abre com uma citação do tema de Scheherazade e depois apresenta um novo motivo, mais ritmado e divertido.

Terceiro Movimento: O jovem Príncipe e a jovem Princesa
Quem sabe o mais belo movimento da suíte, apresenta duas novas melodias de sabor oriental. Primeiro, o tema do príncipe nos violinos, encadeado com o da princesa (este mais vivo, com ritmo marcado pela percussão e pelo trompete).

Quarto Movimento: A festa em Bagdá; o mar; o naufrágio dos barcos nas rochas
Korsakov reforça a percussão, transformando o tema do sultão para retratar o mar, o vento e a tempestade, marcada por um golpe no tam-tam. Scheherazade vence a disputa com o sultão, e a obra termina com o tema da heroína, no extremo agudo dos violinos.

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