sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Renato por Leila

Há uns dias tive acesso a um álbum com regravações de músicas compostas por Renato Russo. Achei o trabalho um primor – o que não podia ser diferente, sabendo que foi gravado por Leila Pinheiro, paraense de voz doce (porém firme) que eu amo ouvir. Resolvi dedicar um breve post a essa cantora e musicista maravilhosa. Eis:

Leila Pinheiro nasceu em Belém, capital do Pará, filha de um gaitista (portanto, já em “berço musical”). Começou a estudar piano aos 10 anos, mas deixou as aulas teóricas e foi tomar lições práticas com um conterrâneo, o músico Guilherme Coutinho.

Na década de 80 Leila abandonou os estudos de medicina e partiu pra carreira artística. Conseguiu repercussão nacional quando ganhou o prêmio de cantora-revelação no Festival dos Festivas, da TV Globo, em 1985.

Convidada pelo então diretor artístico Roberto Menescal, Leila assinou contrato com a Polygram (atual Universal Music) e passou a gravar bossa nova, estilo pelo qual ficou marcada e amplamente conhecida, inclusive no exterior.

Apesar de ter sua imagem artística profundamente ligada à bossa, Leila é uma cantora de grande versatilidade e consegue transitar facilmente entre diversos estilos. Sua voz suave e afinadíssima encaixa-se com perfeição em canções que vão do pop rock ao samba, e sua interpretação nos dá a impressão de que ela “conta”, e não canta a música.

Durante seu percurso artístico Leila encontrou grandes compositores brasileiros, como Tom Jobim, Ivan Lins e Renato Russo. Regravou várias de suas músicas, e participou de inúmeros tributos a Tom e à bossa nova. Em 2010 lançou “Meu segredo mais sincero”, com sucessos de Legião Urbana e Renato Russo. O álbum é um deleite que traz de volta, em novas roupagens, clássicos como "O teatro dos vampiros", "Pais e filhos" e "Hoje". Trago pra vocês a faixa desse cd intitulada “Ainda é cedo” (uma de minhas favoritas :-) ). Espero que apreciem ;-)




Acesse o site oficial da cantora aqui

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Rigor da música serial do dodecafonismo

Desde o fim do século 19, várias compositores ultrapassaram a fronteira da tonalidade – sistema tradicional de hierarquização de notas musicais em que umas predominam sobre outras no conjunto da melodia e da harmonia. Na década de 1920, aconteceu a radicalização: o austríaco Arnold Schoenberg desenvolveu um método de composição que dá o mesmo peso às 12 notas da escala ocidental (as sete que são padrão, além das cinco de tons intermediários – sustenido ou bemol). No lugar da harmonia tonal, cada obra seria elaborada a partir de uma série, uma ordenação predefinida dessas notas, que não podem se repetir antes que as outras 11 sejam tocadas. Começava aí o dodecafonismo serial, método que transformaria a música de vanguarda nas décadas seguintes.

O austríaco Alban Berg (1885-1935) foi aluno de Schoenberg. Era também influenciado pela obra do conterrâneo Gustav Mahler e do romantismo tardio. Para o filósofo alemão Theodor Adorno, o grande mérito de Berg foi revelar que a linguagem musical de Schoenberg não representava um sectarismo, mas uma evolução a partir de Mahler, do francês Claude Debussy e outros compositores da geração anterior.

Berg desfrutava de certa popularidade nos anos anteriores à sua obra derradeira, o Concerto para Violino (1935). No entanto, o nazismo – que refutava a idéia universalizante da música serial – proibiria a execução de suas obras na Alemanha e na Áustria, levando-o a sérias complicações financeiras. Foi a morte precoce de Manon Gropius que levou Berg a compor a obra. A filha de Alma Mahler (ex-esposa de Gustav Mahler) com o arquiteto alemão Walter Gropius morrera repentinamente, e o compositor pediu permissão a Alma para dedicar o concerto “à memória de um anjo”. Em poucos meses, finalizou a composição.

Para Berg, o uso da série dodecafônica não deveria ser visto apenas como a aplicação de uma sucessão regular de intervalos entre as notas. Os rascunhos desse concerto mostram sua preferência por temas reconhecíveis, que sugerem contornos melódicos. Além disso, submeteu a série a implicações harmônicas e tonais, criando o que depois seria chamado de “centros tonais”: momentos em que a composição, serial, poderia se identificar com uma tonalidade.

Ao longo do Concerto para Violino, são feitas duas citações literais de uma canção popular austríaca. Já o último movimento abre com variações seriais sobre o coral Es ist genug (Basta), do alemão Johann Sebastian Bach, que trata da alma se desencarnando. O arranjo dessa seqüência, para três clarinetes e um clarinete-baixo, emula o órgão de uma igreja, completando um ciclo de vida alegre, sofrimento na doença e transfiguração após a morte. O gosto de Alban Berg pela referência e pela alusão é fator que diferencia sua obra da dos compatriotas Schoenberg e Anton Webern. Dos três participantes da chamada Segunda Escola Vienense, Berg foi o que melhor soube agregar o lirismo ao rigor da composição serial.

Ouça um trecho do Concerto para Violino de Alban Berg interpretado pela virtuosa violinista alemã Anne-Sophie Mutter que é uma das grandes intérpretes da obra:

sábado, 15 de janeiro de 2011

Luciano Berio, um compositor de vanguarda

O grande diferencial da obra do italiano Luciano Berio (1925-2003) em relação à de seus contemporâneos está na riqueza de sua música vocal. As Folk Songs juntam dois dos materiais preferidos de Berio: a música popular tradicional, reinterpretada por conceitos contemporâneos, e a voz feminina da meio-soprano (a imediatamente menos aguda que a soprano). No caso, uma em especial: a da estadunidense Cathy Berberian, sua primeira esposa.

Berio fez parte da inovadora geração do pós-guerra na Europa. Nesse período, nomes como o francês Pierre Boulez, o alemão Karlheinz Stockhausen e o italiano Luigi Nono retomaram o método da Segunda Escola Vienense – formada por Alban Berg, Arnold Shoenberg e Anton Webern – e de outros autores de décadas anteriores. A renovação da metodologia sistemática da tríade austríaca levaria a música serial – a que se planeja rigidamente em séries de notas de igual importância – ao extremo da organização. Luciano Berio foi um entusiasta desse movimento; depois, como muitos, tomou outro caminho. Para ele, “havia a necessidade, para alguns, de rejeitar a história e, para outros, mais responsáveis, relê-la e de não mais aceitar nada às cegas”.

Foi assim que o italiano passou a privilegiar o pensamento do processo musical, não mais a forma ou o método. Nos anos 1950, atuou na linha de frente da música eletroacústica – a que se utiliza de meios eletrônicos – com Bruno Maderna no Estúdio de Fonologia Musical de Milão. A possibilidade de usar e manipular materiais pré-gravados ampliava o horizonte da música. Foi por isso que, em vez de se limitar aos experimentos de ponta, Berio abandonou o uso tradicional de seus materiais para adotar uma postura iconoclasta e de bricolagem. Fitas magnéticas, instrumentos tradicionais, melodias populares, séries dodecafônicas: tudo interessava a ele.

As Folk Songs, de 1964, são o mais célebre trabalho de Berio com música popular. Grande parte das 11 canções é de domínio público. No entanto, Ballo e La Donna Ideale, de 1946, são composições de Berio inspiradas na música popular italiana. Já Black Is the Color e I Wonder as I Wander são adaptações do folclorista estadunidense John Jacob Niles para temas tradicionais.

O grande trabalho do compositor italiano foi rearranjar as canções de modo a extrair as “raízes expressivas” de cada uma delas. Berio mudou ritmos e andamentos, criou novas harmonizações e alterou relações entre letra e música tanto na sonoridade como na parte semântica. Com o arranjo para sete instrumentos (flauta, harpa, clarineta, viola, violoncelo e duas percussões), deu coesão a músicas de origens distintas, como da Armênia e do Azerbaijão.

A grande estrela das Folk Songs é a meio-soprano. Não à toa, Berio dedicou-as a Cathy Berberian, ainda que estivessem se divorciando. Cathy foi pioneira na exploração de novas possibilidades vocais e era dotada de expressividade ímpar. Luciano a chamava de “seu segundo instituto de fonologia”.